24 de abril de 2014

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1 de fevereiro de 2014

Por que eu não sou religioso? (ou “Porque religiosos são homens de pouca fé”)



A incoerência de raciocínio que comumente embasa a fé do homem médio faz com que a concepção de Deus se adapte às convicções e estilo de vida de cada um, de forma a não ser necessário nenhum grande esforço de autocrítica ou transformação de hábitos e convicções para que se possa usufruir da sensação de estar cumprimento seu dever como bom religioso. Crê-se, não obstante, firmemente, na própria virtude, e tendo fé não em Deus, mas no fato de estar seguindo os ensinamentos religiosos suficientemente para obtenção da salvação (a que todos creem ter direito a partir de justificações "coringa", como o perdão infinito de Deus e a não exigência de qualquer sacrifício - firme crença em um Deus complacente e pouco exigente com nossos amigos e parentes, mas implacável na aplicação da "justiça" contra os nossos inimigos). Dessa forma, quer me parecer que não se tenha verdadeiramente fé em Deus, mas em uma espécie de massa de modelar.

Assim, o pretenso religioso não parece ostentar verdadeiramente uma fé em Deus, mas tão somente na certeza de que pode seguir vivendo como de hábito, acreditando estar fazendo o que é necessário para ter o direito à salvação (e aos prêmios prometidos aos justos), ainda que simplesmente seguindo sua vida comumente nos termos estabelecidos pelas circunstâncias, pelo senso comum e pela própria conveniência. Novamente, portanto, uma fé que não é em Deus, mas nas próprias virtudes (que acredita existentes) e em uma salvação que acredita certa sem grandes esforços (ao menos não superiores aos que acreditamos empreender, por mais que parcos e desonestos na medida do próprio interesse).

Há, da mesma forma, um grande talento na apropriação de discursos críticos, como por exemplo em relação àquele direcionado aos hipócritas, que remonta à Antiguidade, de forma que os próprios hipócritas adaptam e interpretam o discurso de forma a serem utilizados por si contra seus opositores, como se não estivessem incluídos na crítica original. Não é à toa que atualmente existam tantas classes diferentes de homens e instituições religiosas disputando o legado dos fariseus e doutores da lei e muito poucos verdadeiramente seguindo o ensinamento daquele que dizem fundamentar sua fé (cuja observância concreta parece pressupor alguns sacrifícios que os indivíduos não estão dispostos a arcar, optando pela interpretação metafórica que autoriza as mais amplas relativizações - adapta-se Deus e os mandamentos à nossa vida, e não nossa vida aos mandamentos e a Deus).

Por fim, desconhece-se o texto e manipula-se a ideia, de forma a nos ser o mais conveniente. Confunde-se constantemente, pela falta de conhecimento, e já não se sabe então a diferença entre um e outro (base essencial de uma doutrina que prevê a distinção entre o verdadeiro e o falso).

As sementes continuam a cair em terra seca e a voz continua a clamar no deserto, ainda que o deserto atualmente seja composto por indivíduos surdos.

Por tudo isso prefiro não ser “religioso”.

1 de janeiro de 2014

Final de ano

Parece que, pra mim, a época de final de ano finalmente encontrou seu sentido. Não nas festas familiares ou nos eventos litorâneos e adolescentes diversos, mas, sim, na reflexão fenomenológica dos que não passam por referidas festividades nos padrões impostos pela tradição (cada vez mais essencialmente midiática, como tudo que nos cerca); mas que, muitas vezes, passam exercendo atividade profissional, por necessidade imperiosa, em plantões os mais diversos; ou internados em hospital ou outras instituições de segregação; ou ainda fazendo companhia a seus entes internados; ou talvez ainda apenas pensando em alguém próximo em situação de enfermidade; ou que talvez sejam as primeiras festas sem a companhia de um ente querido, a quem ainda não se acostumou com a ausência e que essas datas fazem pensar; alguém que passou por tragédias familiares ou pessoais; ou os que são condenados à falta de recursos para que possam garantir uma comemoração minimamente aceitável a si a aos seus, e que muitas vezes passam tentando melhorar essa situação nessas horas, "catando" trabalho na medida do possível à margem das festividades, muitas vezes auxiliados por seus filhos pequenos criadores então de uma nova tradição; aqueles a quem restam "fast-ceias", com fatias de pizzas ou cachorros-quentes; ou aqueles que, por várias circunstâncias que fogem da expectativa da tradição desses momentos, se encontram em inevitável situação de involuntária solidão, isolados involuntariamente sem ter condições físicas, econômicas ou psicológicas de romper com referido isolamento. A partir de então, a todos estes eu dedico meus pensamentos nas festas de final de ano, de forma que passe a ser possível encontrar um sentido que antes, seguindo a tradição, eu no máximo fingia encontrar.


"Quem matou o artista? Há assim várias hipóteses. E também vários suspeitos. Foi o martelo do operário? Ou foi apenas um acidente de trabalho? Foi a caneta do burocrata? Ou se intoxicou com a tinta dos carimbos? Ou foi o giz da sala de aula? Foi uma bala perdida? Ou ela era direcionada? Ou talvez tenha morrido de fome, para aumentar os lucros dos investidores?


O artista morreu, mas se recusa a ser enterrado
Levanta-se do caixão e corre desatinado
Nu pelos campos
Causando espanto entre as velhas senhoras da sociedade
As pessoas se espantam e gritam
E os senhores engravatados se reúnem:
O artista só faz perturbar a ordem!
E isso não é bom para os negócios
Quem vai conseguir enterrar o artista
e conseguir enfim estabelecer a ordem no mundo?

O artista tem o peito aberto
Por onde escorrem-lhe as entranhas
É agora um zumbi, um verme, um corvo
Transformando o podre em nova vida
E produz mau cheiro
Chafurda a morte
Tem um vômito ácido
Mas toma um Sonrisal® e segue em frente

Já não tem fígado ou pulmão
E o coração está em pedaços
E ainda assim, de suas tripas espalhadas,
Constrói sua obra-prima"


(Paulo A.C.B.Jr)