15 de março de 2009

A questão da verdade e o relativismo (anotações)

Muitas vezes o problema do relativismo pode estar na forma de raciocínio utilizado. Utilizando-se um raciocínio indutivo, pensa-se em 5 ou mais coisas que verificamos serem relativas, e por conseguinte, presumimos que tudo é relativo.

Importante lembrar que, inexistindo um “certo” em absoluto, ainda que apenas no plano ideal (no caso do conhecimento da realidade), seria impossível afirmar, por exemplo, que o nascimento dos bebês não acontece "através das cegonhas". Para os não-relativistas essa questão fica mais fácil, e a hipótese das cegonhas é considerada errada em absoluto. A ciência ocorre (ou deveria ocorrer) dessa forma: analisando as hipóteses e descartando as que estiverem erradas (para isso é necessário que haja o certo e o errado – ainda que apenas como algo a ser buscado).

Contudo, entendo que a questão principal se daria em torno das verdades morais (que podem ser manipuladas pelas ideologias), e é a isso que a maioria das pessoas se refere ao afirmar que tudo é relativo. Mas ainda assim, entendo que há algumas reservas. Os direitos humanos, em especial o direito à dignidade, são uma prova disso. Em um planeta hipotético, por exemplo, em que não haja qualquer lei ou senso moral condenando o seqüestro e a tortura, seus habitantes poderiam seqüestrar e torturar outros inocentes, alegando existir uma crença de que torturar seres inocentes melhora a safra de grãos. Segundo os relativistas, um humano que lá aterrissasse não poderia dizer “isso é errado”, porque certo e errado é relativo e cultural (para esses alienígenas é certo torturar inocentes para fins imaginários, logo, não posso convencê-los do contrário - mesmo porque não existe certo e errado).

Misturando matemática e biologia, poderíamos dizer que a dor desnecessária tende a ser evitada (os seres-vivos tendem a buscar o prazer/satisfação dos instintos e fugir da dor - e a existência de exceções, como querem alguns, só serve para confirmar a regra). Assim, os direitos humanos têm evoluído nesse sentido, procurando evitar que haja sofrimento desnecessário (sem motivo relevante), quando existiriam alternativas viáveis para que isso não ocorresse. A existência de "motivo relevante" é a questão central, pois há culturas que utilizam a dor em rituais de passagem. Contudo, guerras motivadas pela ganância de uns poucos, que causam sofrimento a crianças inocentes, não pode ser considerado “certo”, ainda que esses poucos, que lucram com a situação, achem que o é (o “certo” desses últimos seria relativo, e estaria em confronto com um “certo” maior, talvez absoluto(?)). Um doente mental (sem noção da realidade), por exemplo, que tortura animais no quintal de casa não está fazendo o "certo", por mais que para ele aquilo faça algum sentido. O relativismo nesses termos só faz permitir atrocidades e impede que façamos alguma coisa no sentido de combatê-las, impedindo julgamentos das ações consideradas erradas.

Entendo que o relativismo tenha vindo como resposta a uma sociedade em que os “certos e errados” eram elaborados de forma arbitrária e manipuladora. Por outro lado, a ausência total de critérios de certo e errado pode fazer com que os desejos mais egoístas do ser humano possam ser levados a cabo diante de uma platéia apática. De toda forma, é uma discussão que deve ser mantida em aberto, pois acredito que é algo que deve ser constantemente refletido, e não ignorado meramente de uma forma simplista.


Comentários/complementações:

É a verdade absoluta ou relativa?

Não acredito que se possa dar uma resposta definitiva a essa pergunta. E, antes que alguém se adiante: não, isso não prova que a verdade seja relativa; prova apenas que nós não sabemos se existe uma verdade absoluta.

As "verdades relativas" todos nós conhecemos, e dizem respeito ao conhecimento do homem a respeito das coisas em determinado lugar e em determinada época. Uma evolução do conhecimento, poder-se-ia dizer, com verdades diferentes em cada lugar e época. Contudo, existindo apenas verdades relativas, seria possível falar em evolução do conhecimento? O conhecimento evoluiria em direção a quê?

Antigamente dizia-se que a Terra era o centro do universo, hoje afirma-se que não o é. Qual das afirmações estaria mais próxima da verdade? Caso admitamos que a segunda afirmação está mais próxima da verdade (ainda que não seja a verdade final), admitir-se-á que existe uma verdade acima das verdades relativas (que chamaremos de "absoluta" ou algo que seja parecido com isso), e que representaria o mundo físico como ele é de fato. Então esse conhecimento em direção à realidade (desconhecida do homem em sua plenitude) estaria mais próximo da "verdade" hoje do que na época das cavernas.

Dessa forma, não existindo verdade absoluta, e podendo a verdade relativa dançar de um extremo a outro do conhecimento e das teorias, jamais haveria evolução dos conhecimentos, ou, ainda, jamais poderíamos dizer que estamos mais próximos da verdade acerca de alguma coisa. Existiria apenas uma dança, em um ou noutro sentido, aleatoriamente, em direção ao acaso, e sem consolidação de qualquer conhecimento.

Como outro exemplo, imaginemos que exista um planeta desconhecido próximo ao que hoje chamamos sistema solar. Admitindo-se certo realismo filosófico, esse planeta existiria de fato independente de nosso conhecimento a respeito dele. Assim, as verdades relativas do homem não indicariam a existência desse planeta, mas ele ainda assim existiria como uma verdade absoluta não descoberta pelo homem.

Assim, ainda que a verdade absoluta (realidade do mundo buscada pelo conhecimento humano) exista, esforçamo-nos para nos aproximar dela, como um sonar que corrige nossa posição para que sigamos na direção certa (ainda que em zigue-zague, com grandes reveses e equívocos), sem nunca saber se poderemos alcançá-la, mas torcendo para que a cada dia estejamos dela mais próximos. Se ela não existir (parafraseando Dostoievski), e sendo tudo relativo, todas as verdades seriam permitidas?

(Desconsiderei aqui até mesmo a questão das verdades matemáticas - ou exatas - como afirmar que a Lua tem diâmetro menor do que a Terra, o que não creio que seja uma verdade relativa - assim como um mais um são dois).

É uma questão controversa e sei que existem opiniões filosóficas respeitáveis contrárias à minha (especialmente depois do advento da filosofia contemporânea). Assim, torço para que continuemos refletindo a respeito.

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"Quem matou o artista? Há assim várias hipóteses. E também vários suspeitos. Foi o martelo do operário? Ou foi apenas um acidente de trabalho? Foi a caneta do burocrata? Ou se intoxicou com a tinta dos carimbos? Ou foi o giz da sala de aula? Foi uma bala perdida? Ou ela era direcionada? Ou talvez tenha morrido de fome, para aumentar os lucros dos investidores?


O artista morreu, mas se recusa a ser enterrado
Levanta-se do caixão e corre desatinado
Nu pelos campos
Causando espanto entre as velhas senhoras da sociedade
As pessoas se espantam e gritam
E os senhores engravatados se reúnem:
O artista só faz perturbar a ordem!
E isso não é bom para os negócios
Quem vai conseguir enterrar o artista
e conseguir enfim estabelecer a ordem no mundo?

O artista tem o peito aberto
Por onde escorrem-lhe as entranhas
É agora um zumbi, um verme, um corvo
Transformando o podre em nova vida
E produz mau cheiro
Chafurda a morte
Tem um vômito ácido
Mas toma um Sonrisal® e segue em frente

Já não tem fígado ou pulmão
E o coração está em pedaços
E ainda assim, de suas tripas espalhadas,
Constrói sua obra-prima"


(Paulo A.C.B.Jr)