5 de abril de 2009

Discussão crítica acerca das definições de Direita e Esquerda (ensaio)

É sabido que há diversos grupos políticos ao redor do mundo que, por força das circunstâncias, acabarão por se encaixar em alguma das definições de “esquerda” ou “direita” (ainda que nas formas de "centro-esquerda" ou "centro-direita"). No entanto, entendo necessário que se considerem as imensas diferenças existentes entre os povos e culturas do planeta, cada qual com uma realidade e com problemas que pedem soluções próprias, pois que disso mesmo decorrerão as diferenças entre aquilo que se convencionou chamar de “esquerda” e “direita” ao redor do mundo e ao longo da história. Ainda, para a correta definição dos termos, penso que se faz necessária a análise dos pilares centrais sobre os quais tais rótulos foram construídos. Deveremos, assim, volver às origens de referidos termos, quais sejam, à Revolução Francesa.

Diz-se que, à época da Revolução Francesa, à “direita” (posição física ocupada na Assembleia) sentavam os monarquistas, conservadores - no sentido de manutenção do antigo regime. À “esquerda”, de outra forma, estavam os indivíduos mais progressistas, liberais, que pretendiam realizar mudanças na sociedade, reivindicando uma maior liberdade e maior justiça social - claro que, em relação a este último ponto, alguns mais que outros (ainda mais por tratar-se de uma revolução burguesa), mas, de forma geral, era esse o “espírito” dessa primeira esquerda, influenciada pelos ideais iluministas. Ocorre, no entanto, que quando esta esquerda toma o poder (os revolucionários anti-monarquistas), logo se formaria uma nova oposição que, sentada à direita, apresentaria um perfil mais moderado (tempo da disputa entre jacobinos - de caráter mais popular - e os girondinos - ligados às classes mais abastadas). E porquanto moderação é naturalmente uma característica de cunho mais conservador (ainda mais quando estes “moderados“ representavam indivíduos de melhores condições econômicas, e por isso mesmo, menos interessados em mudanças radicais), a “direita” estaria assim associada mais uma vez ao conservadorismo e aos indivíduos de maior poder aquisitivo, que usufruíam melhor do status quo disposto pela sociedade (diz-se que é mesmo uma tendência as pessoas com mais posses, por viverem menos desconfortavelmente, apresentarem perfil mais conservador, uma vez que têm mais a perder com mudanças radicais). Dessa forma, enquanto a primeira “direita” era a classe mais rica e mais conservadora, a “esquerda” que nascia era formada por aqueles que queriam a liberdade de poder usufruir daquilo que era pelos primeiros apropriado em detrimento da maioria. Trazia-se, assim, a idéia de democracia, na qual estava embutida sua concepção tanto política (participação no poder, nas tomadas de decisões) quanto social (participação nas benesses materiais decorrentes da produção das riquezas).

Após a agonia provocada pelo Terror Revolucionário (que em momentos como este se torna difícil o enquadramento em rótulos como direita e esquerda - haja vista o estado de “emergência” e até mesmo de certa paranóia em que naturalmente se encontra o novo regime, e que obriga, acima de tudo, a lutar para se manter) os moderados acabam assumindo o poder. E após o triunfo das revoluções liberais, aquela “esquerda” originariamente formada por burgueses, agora no poder, e depois de reajustada a ordem das coisas (o que lhe garantiu o alcance dos direitos buscados), não foi capaz de realizar a tão desejada democracia social, que motivara grande parte das massas menos favorecidas que inicialmente a apoiaram. As classes que originalmente se uniram contra o antigo regime, depois que este fora derrubado começam a visualizar novos conflitos de interesse existentes entre si, antes ocultos em torno do ideal de uma liberdade mais abstrata. Ou seja, a liberdade que uma classe conquistou não seria capaz de emancipar a outra classe que lhe apoiara. Assim, aqueles detentores do poder, agora com melhores condições econômicas, tenderão, como conseqüência, a conservar este poder. Tomarão, dessa forma, o lugar da antiga “direita”, sendo composta mais uma vez pelas pessoas mais favorecidas economicamente, contra uma “esquerda” que se formava, composta pelos representantes das classes menos favorecidas, quais sejam, os trabalhadores e outros menos afortunados, que estavam em busca novamente de maior liberdade política (participação no poder e nas decisões) e fruição das benesses materiais que lhes eram negadas.

Anos mais tarde, esta nova “esquerda”, formada pelos trabalhadores, também acaba chegando ao poder, por ocasião da Revolução Russa. E, após amargar-se novamente um Período de Terror pós-revolução (considerado por seus operadores como necessário para a sobrevivência de um estado revolucionário ainda pouco consolidado, frente a um grande contingente de ferozes opositores), o sistema estabelecido é colocado de forma a traduzir uma nova realidade, passível, agora, de uma análise mais ponderada sobre sua natureza. Ora, é sabido que, após ter destronado a elite detentora do poder e das riquezas (características comuns de forças mais à direita), esse sistema acabou por formar também novas classes, quais sejam, de um lado a dos burocratas e administradores, membros ou aliados do governo, que usufruíam de maiores benesses, e, do outro, os trabalhadores, ainda com carências econômicas não satisfeitas. Esta burocracia naturalmente acabaria por tornar-se mais conservadora, simplesmente para tentar manter sua situação privilegiada, bem como mais favorecida economicamente. Muitos, e há muito tempo, têm considerado o governo de Stalin como de direita (basta verificar o discurso dos trotskistas e anarquistas, que lhe faziam oposição internacionalmente - chegava-se ao ponto de se falar em partido comunista de direita, ainda mais quando oprimia revoltas populares ou outras manifestações dos trabalhadores descontentes). (Obviamente não pretenderei fazer aqui uma análise devidamente pormenorizada acerca de situação tão complexa como o foi o regime soviético. Contudo, referidos exemplos são úteis para que se busquem elementos históricos aptos a elucidar a questão central que é a busca pelas características da “direita” e “esquerda”, ao tentar-se encaixá-los nas definições cujos contornos vão aqui se delineando.)

Dessa forma, até o que vimos aqui, poderíamos arriscar traçar um conceito inicial (e por isso ainda pouco rigoroso) de “direita”, como sendo formada por um grupo de indivíduos que, usualmente, 1) usufrui das riquezas proporcionadas por uma determinada forma economicamente excludente de organização da sociedade; e 2) que tem poder político em relação ao qual são conservadores no sentido de sua manutenção. Chegaríamos, assim, ao conceito tradicional, encontrado nos dicionários, que alia a direita ao conservadorismo.

Mas certamente o conceito não poderá se esgotar aí, pois, se assim fosse, um indivíduo economicamente desfavorecido, por exemplo, não poderia ser de “direita”, por não usufruir das riquezas da sociedade, bem como não o poderia ser um grupo que não detivesse alguma parcela do poder político. No entanto, entendo que é pressuposto que se analise não somente a condição fática do indivíduo, mas, acima de tudo (e isso é realmente o que me parece mais importante), seu ideal de sociedade. Dessa forma, o indivíduo pode ser economicamente desfavorecido, mas, se em seu pensamento não pretender que haja uma democracia econômico-social (ainda que pretenda sua ascensão social em particular), mas defendendo, ao contrário, um governo que mantenha esta situação de sistema de classes entre explorados e oprimidos, este indivíduo terá um pensamento de direita. Da mesma forma, ainda que não participe do poder, se pretender um governo que defenda estes pontos de vista, da forma acima mencionada (separação de classes, conservadorismo econômico-social, etc.), também terá um pensamento de direita. O próprio conservadorismo, no sentido de lutar para conservar o estado das coisas, poderia ser aplicado, de certa forma, em uma interpretação livre, tanto a um governo de direita quanto de esquerda (claro que esta última apenas quando a “situação das coisas que se quer manter” seja de efetiva democracia econômico-social, caso contrário não seria sequer um governo de esquerda). Assim, como diferencial básico condicionante, poder-se-ia arriscar que a “esquerda” seria formada por um grupo de indivíduos que pretendam a concretização da democracia econômico-social (inclusão social). Talvez este seja o pilar principal que norteará os conceitos, separando, ainda que não se pretenda cair em qualquer maniqueísmo simplista, o joio do trigo.

Ora, é fato que a direita, historicamente, tem sido contra a democracia econômico-social (normalmente tomada como um nivelamento injusto e antinatural, e normalmente associada ferozmente por seus opositores a um discurso "comunista" - com especial ênfase em períodos de grande divisão político-ideológica, como na época da Guerra Fria). Há que se ressaltar que o igualitarismo inerente à referida concepção de democracia implica necessariamente em perda de riqueza e poder de certos setores tradicionais, ainda mais quando, é de se notar, estes últimos (poder e riqueza), na maior parte das vezes, têm andado juntos.

É importante ainda lembrar que um governo de esquerda, na forma mencionada, não terá necessariamente que aderir aos ideais de democracia política nos moldes liberais, mas, inevitavelmente, deverá ter um compromisso com a democracia econômica. Claro que será inegável a importância da democracia política, mas apenas quando não for incompatível com a democracia econômica, pois, do contrário, talvez esta fique subordinada àquela (por exemplo, quando a liberdade política acaba favorecendo aos que detêm maiores recursos financeiros). Nesse sentido, sob uma ótica liberal, referidos regimes costumam ser considerados como autoritários (o que seria aplicado a praticamente totalidade das experiências comunistas ao longo da história).

Como uma última complementação, entendo que essa democracia econômico-social não poderá ocorrer em bases xenofóbicas ou chauvinistas. Sabe-se que a “direita” tradicional tem em alta conta o nacionalismo, sem muito se importar que ele seja utilizado em detrimento de outros povos. Dessa forma, a “esquerda” até poderá ser formada por nacionalistas, no sentido de defender os interesses de seu povo, mas sempre com a idéia de cooperação com outros povos menos favorecidos ao redor do mundo, independentemente de sua nacionalidade, e sempre em busca de um sistema de inclusão social global.

Por final, com base nestes novos elementos, teremos que, para ser considerado de “esquerda”, será necessário um ideal (naturalmente com práticas que não lhe sejam contraditórias), de 1) democracia econômico-social (privilegiando, assim, os menos favorecidos), e 2) apreço pelos povos explorados, independentemente de valores nacionalistas.

Dessa forma, o pensamento de “direita” seria, por exclusão, caracterizado pela ausência de uma ou outra dessas condições (se imaginarmos, por exemplo, um programa de governo que privilegie a democracia econômica para os nacionais, em desfavor de outro povo ou grupo nacional, ou, ainda, alguém que, apesar de pregar ideais de democracia econômico-social, estes seriam apenas demagógicos, desenvolvendo práticas que a contrariassem).

Assim, tenho que alguém cuja democracia social não seja mera retórica, e que manifeste apreço pelos explorados do mundo, poderá ser considerado uma pessoa de “esquerda”. “Centro-esquerda” quando moderada, buscando a inclusão social através de reformas por dentro das regras do jogo econômico e jurídico vigente, e “extrema-esquerda” quanto mais se afastar da moderação contida nestas intenções reformistas, desejando uma ruptura mais brusca no sentido de alcançar o ideal de democracia econômico-social.
Da mesma forma haverá os que se chamam de “centro-direita”, que aceitarão algumas reformas que não alterem em muito sua situação de poder e riqueza, ou ainda “extrema-direita”, que buscará um governo forte na manutenção do sistema de divisão de classes (ainda que apenas de forma internacional - ou seja, nações explorando nações), contra um ideal de democracia econômico-social de caráter universal.

Naturalmente outras características básicas acabarão por se sobressair dentro desta divisão posta, como o individualismo, típico da direita, sustentado na idéia de vitória dos mais aptos (sejam indivíduos ou nações), em oposição ao pensamento solidário e coletivista da esquerda.


Paulo Alcir Cardoso Brocca Junior, 12/09/2007

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"Quem matou o artista? Há assim várias hipóteses. E também vários suspeitos. Foi o martelo do operário? Ou foi apenas um acidente de trabalho? Foi a caneta do burocrata? Ou se intoxicou com a tinta dos carimbos? Ou foi o giz da sala de aula? Foi uma bala perdida? Ou ela era direcionada? Ou talvez tenha morrido de fome, para aumentar os lucros dos investidores?


O artista morreu, mas se recusa a ser enterrado
Levanta-se do caixão e corre desatinado
Nu pelos campos
Causando espanto entre as velhas senhoras da sociedade
As pessoas se espantam e gritam
E os senhores engravatados se reúnem:
O artista só faz perturbar a ordem!
E isso não é bom para os negócios
Quem vai conseguir enterrar o artista
e conseguir enfim estabelecer a ordem no mundo?

O artista tem o peito aberto
Por onde escorrem-lhe as entranhas
É agora um zumbi, um verme, um corvo
Transformando o podre em nova vida
E produz mau cheiro
Chafurda a morte
Tem um vômito ácido
Mas toma um Sonrisal® e segue em frente

Já não tem fígado ou pulmão
E o coração está em pedaços
E ainda assim, de suas tripas espalhadas,
Constrói sua obra-prima"


(Paulo A.C.B.Jr)