29 de agosto de 2013

Kant e a educação dos outros

Kant e a educação (dos outros...)

Uma das máximas mais conhecidas de Kant, e que configura seu imperativo categórico, é "age somente em concordância com aquela máxima através da qual tu possas ao mesmo tempo querer que ela venha a se tornar uma lei universal".

Simplificando em outras palavras, o único comprometimento ético prático e possível seria agir de forma que nossas ações fossem desejáveis enquanto modelo do que esperamos que outras pessoas façam.

A plateia concorda - discordando sem saber (ou sem querer saber). A falta de consciência, se não mais passível de alegação para ausência de culpa moral (desde Tomás de Aquino pelo menos), serve bem para o caso em que todos concordam com um discurso (normalmente relacionado a um certo valor social unânime), mas agindo de forma que ele nunca se torne prática.

Falando em educação (a que todos defendem, mas nada fazem a respeito), pode-se exemplificar com Kant um modelo em que alguém, interessado em melhorar a cultura política e diminuir a ignorância e alienação (entraves reconhecidamente aceitos em matéria política) discuta questões políticas e de cidadania com as pessoas ao seu redor, estimulando esse tipo de discussão por acreditar tratar-se isso de um bom modelo universal segundo a fórmula kantiana (talvez um dos únicos modos universalmente acessíveis e independentes de intervenções do Estado – aquele a quem sempre culpamos de tudo). Cumpriria assim seu compromisso ético.

Outros, contudo, acreditando que a educação é o problema principal a ser resolvido, realizariam discursos sobre sua importância, em relação ao qual outros (governos ou lideranças diversas) deveriam se esforçar mais para melhorá-la (por ser o único jeito de mudar o mundo, e que por isso todos devem estar comprometidos). Possivelmente acreditem que esse deve ser o modelo a ser seguido, segundo a fórmula kantiana. Contudo, se for esse o imperativo categórico defendido, quer dizer então que todos devem discursar sobre a importância da educação? Ou, se for este exemplo universal a ser seguido, significa que todos devem se limitar a discursar e nada fazer? Do ponto de vista lógico-racional, não parece um imperativo adequado à solução do problema. “Aos com mais possibilidades deve ser entregue a responsabilidade pela mudança” – pode servir como forma de apaziguar nossas consciências. Pois aqui, atribui-se a um espectro, ao “outro” espectral, o “próximo” (que é de fato “distante”), diferente de mim, a missão de realizar os planos que nós mesmos já fizemos muito em enunciar nas rodas de bar a importância. Os bons cidadãos (aqueles éticos - porque não roubam nem matam e condenam veementemente tudo isso em frente à TV) encontram o bode para expiar suas culpas.

Fechando o quadrado, aos que tentam sobram críticas (exatamente por conseguir-se, no máximo, um modelo carente de comprometimento dos que o cobram), sendo destinado ao fracasso por não contar com compromisso dos que se arrogam o título de cidadãos conscientes e comprometidos com um mundo melhor (muito embora o compromisso com a autoestima exija que nos reconheçamos como “cidadãos” - em um espectro que se adapta àquilo que convém a cada um sem muito esforço – porque ninguém é de ferro...). Finalmente, as críticas encontram seu ponto culminante ao substituir, em protesto, o tempo inicialmente disponibilizado para formação política (aquela prescrita pela fórmula kantiana e até aceita pelo Estado) com discussões sobre mídia e futebol (porque todo mundo precisa relaxar de vez em quando). Para estes, nem que o governante fosse o próprio Kant.

"Quem matou o artista? Há assim várias hipóteses. E também vários suspeitos. Foi o martelo do operário? Ou foi apenas um acidente de trabalho? Foi a caneta do burocrata? Ou se intoxicou com a tinta dos carimbos? Ou foi o giz da sala de aula? Foi uma bala perdida? Ou ela era direcionada? Ou talvez tenha morrido de fome, para aumentar os lucros dos investidores?


O artista morreu, mas se recusa a ser enterrado
Levanta-se do caixão e corre desatinado
Nu pelos campos
Causando espanto entre as velhas senhoras da sociedade
As pessoas se espantam e gritam
E os senhores engravatados se reúnem:
O artista só faz perturbar a ordem!
E isso não é bom para os negócios
Quem vai conseguir enterrar o artista
e conseguir enfim estabelecer a ordem no mundo?

O artista tem o peito aberto
Por onde escorrem-lhe as entranhas
É agora um zumbi, um verme, um corvo
Transformando o podre em nova vida
E produz mau cheiro
Chafurda a morte
Tem um vômito ácido
Mas toma um Sonrisal® e segue em frente

Já não tem fígado ou pulmão
E o coração está em pedaços
E ainda assim, de suas tripas espalhadas,
Constrói sua obra-prima"


(Paulo A.C.B.Jr)