15 de março de 2009

FÉ E RAZÃO - À LUZ DAS EXPERIÊNCIAS COM AS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ

Minha experiência com os estudos promovidos pelas Testemunhas de Jeová tem representado uma enorme contribuição em minha pesquisa sobre os significados atribuídos pelas diversas doutrinas, religiosas ou não, a conceitos referentes a valores como certo, errado e verdade.

Inicialmente, é necessário que se discorra um pouco sobre o que vem a ser "RAZÃO", mencionada no título da presente análise. Entre os significados atribuídos à palavra "razão" pelos dicionários, cabe aqui destacar, segundo o Aurélio: “Faculdade de avaliar, julgar, ponderar idéias universais, raciocínio, juízo. Faculdade de estabelecer relações lógicas, de raciocinar. Inteligência, bom senso, prudência.”

Ao que parece, em linhas gerais, pode-se dizer que o conceito segue a idéia de que a RAZÃO seria a responsável por uma avaliação das coisas com base na LÓGICA, em que predominassem a prudência e o bom senso. É sempre importante lembrar que essas coisas que submetemos à avaliação lógica chegam até nós através dos sentidos, que, como temos aprendido, são naturalmente imperfeitos, falhos e sujeitos a imprecisões diversas. O "bom senso" inclusive faz com que esta variável seja incluída e ponderada em qualquer análise efetuada pela RAZÃO.

Por LÓGICA devemos atentar para o que também nos diz o dicionário: “Coerência de raciocínio, de idéias. Modo de raciocinar peculiar a alguém, ou a um grupo.” Na esfera acadêmica, a lógica poderia ser mesmo comparada a uma equação matemática, em que o valor que fosse atribuído às premissas (idéias básicas e condicionantes) determinaria a validade do argumento. Assim, apenas a título de exemplo, um argumento do tipo “todos os homens são inteligentes” só poderá ser considerado 100% "verdadeiro" se assim o forem consideradas as premissas utilizadas na obtenção dessa conclusão. Nesse sentido, temos que a afirmação "todo homem é inteligente" é baseada nas seguintes premissas (que a antecedem):
Premissa I – todo homem possui um cérebro;
Premissa II – inteligência pode ser considerada como a capacidade de aprender e/ou de resolver problemas (desde que de forma intencional e utilizando meios eficientes) (utilizando aqui seus significados mais utilizados pelo senso comum, que podem por acaso vir a ser substituídos, sem que isso altere a estrutura lógica do exemplo);
Premissa III – podemos considerar o aprendizado como uma das funções do cérebro.
Conclusão: Dessa forma, se considerarmos que todo homem possui um cérebro, que tem como uma função possibilitar o aprendizado e resolver problemas, então será possível afirmarmos que "todo homem é inteligente".

Contudo, utilizando-se a mesma lógica racional, a conclusão final poderá ser atacada em suas premissas, como por exemplo, se a "premissa I" (todo homem possui um cérebro) não for verdadeira, certamente a validade da conclusão final ficará abalada.

Para atacar-se a validade de uma premissa, devemos considerá-la como a uma nova conclusão, em um novo argumento, e tentar buscar pela não-veracidade das premissas que o compõem.

Faz-se necessário abrirmos um parêntese, para tentar um explicação melhor sobre o que se quer dizer com "premissa". A "premissa", neste caso, grossissimo modo, nada mais seria do que as partes nas quais se subdividem os argumentos, e que servem de base para a elaboração de uma conclusão.

Assim, a premissa de número I (todo homem possui um cérebro) da qual derivou a conclusão “todo homem é inteligente”, tomada como um novo argumento, teria então como premissas:
I – houve determinado número de estudos que constataram a existência de um órgão, a qual deram o nome de cérebro, na cabeça de alguns homens que foram objetos destes estudos.
II – um número considerado estatisticamente como "razoável" pode ser utilizado para que se possa generalizar a todo o conjunto as regras obtidas por meio dos estudos direcionados a alguns de seus integrantes.
III – os cientistas consideraram como razoável o número de estudos que identificaram cérebros na cabeça dos homens, o suficiente para afirmar que todo homem possui um cérebro.

Se estas premissas forem 100% válidas, e em número suficiente para que não haja margem de dúvida ao argumento, este último será válido, e, assim, poderemos concluir que todo homem possui realmente um cérebro.

No entanto, se fôssemos mais fundo, e procurássemos descobrir a validade de alguma destas premissas, agora consideradas como um novo argumento, com base agora em suas premissas, teríamos que a afirmação "os cientistas consideraram como razoável o número de estudos que identificaram cérebros na cabeça dos homens como suficientes para afirmar-se que todo homem possui um cérebro", estaria sujeita a perguntas que girariam em torno da autoridade dos cientistas para validação das conclusões tiradas e dos métodos utilizados, e assim sucessivamente.

Enfim, dispomos de um mecanismo estritamente rigoroso de avaliação dos argumentos e conclusões, e de verificação de sua coerência à luz dessa ferramenta a serviço da razão a qual chamamos LÓGICA.

Em torno disso, algumas questões centrais podem ser traçadas para o desenvolvimento do raciocínio sobre o tema inicial:

- Existiria algum argumento que não precisasse ter analisada a veracidade de suas premissas para ser considerado verdadeiro?
- A busca pela verdade seria infinitamente a busca das premissas dos argumentos, que se transformariam em novos argumentos, os quais deveriam ter buscadas a validade das premissas que o compõem, e assim infinitamente?
- Haveria um limite sobre o qual todos os argumentos repousariam, sendo ele a base de sustentação de todos os outros, atrás do que nada haveria?

VERDADES INCONTESTÁVEIS (DOGMAS)

Perguntas deste tipo fazem tornar clara a questão do surgimento do DOGMA, que, tomado segundo o dicionário Aurélio, é “o ponto fundamental e indiscutível de doutrina religiosa e, por extensão, de qualquer doutrina ou sistema”.

Assim, seria possível que toda organização de idéias necessitasse repousar sobre uma base sólida, sob pena de não conseguir se sustentar. Seria isso uma afirmação verdadeira? Ou seria isso apenas mais um dogma? Como saber?

A maneira mais indicada, pela lógica e pela razão, seria, de novo, tomá-la como um argumento e analisar suas premissas.

Contudo, tem-se que DOGMAS são argumentos considerados válidos apesar da não-preocupação com a análise lógica de sua validade, à luz da verificação da validade de suas premissas. Em geral, surgem pela incerteza natural das premissas que o compõem, e pela necessidade atribuída por alguns de que aquele pensamento seja considerado como verdade (e isso pode ocorrer tanto com nobres intenções quanto com as não tão nobres). As religiões em geral se baseiam em dogmas devido a impossibilidade ou não aceitação de seus membros de que se possa analisar logicamente seus fundamentos e suas divindades. Ao menos não dentro da lógica tipicamente acadêmica. Pois há também, não podemos esquecer, segundo o dicionário, o conceito de lógica como “modo de raciocinar peculiar a alguém ou um grupo”.

DIVERSAS LÓGICAS?

Assim, isso poderia sugerir a existência de diversas lógicas, como a lógica das crianças, a lógica dos religiosos, a lógica dos militantes de esquerda, a lógica feminina, etc. No entanto, há também os que defendam a lógica como uma só. O que ocorreriam seriam maneiras mais ou menos falhas de utilizá-la. Seria a lógica, assim, objeto de uma ciência exata, que não poderia se deixar influenciar por valores subjetivos (individuais). Em que pese reconhecermos a impossibilidade absoluta de atingirmos o grau máximo desta pretensão (razão pura, não influenciada por valores pessoais aprendidos, que a distorcem), sabemos também que o constante aperfeiçoamento é capaz de garantir uma evolução neste processo, para que seja possível atingir uma proximidade cada vez maior com o ideal de imparcialidade de julgamento.

DOGMAS RELIGIOSOS (O caso das Testemunhas de Jeová)

Como a maioria das religiões, as Testemunhas de Jeová apegam-se à veracidade incontestável de suas escrituras. E, assim sendo, tudo aquilo que é mencionado nas Escrituras é considerado uma verdade incontestável.
Logicamente, teríamos a seguinte construção:

Afirmação: Pode-se confiar de maneira absoluta na veracidade dos acontecimentos e fatos narrados na Bíblia, bem como em seus ensinamentos.

Premissas:
I – Houve estudos que comprovam a veracidade da Bíblia (ou, para alguns, não são necessários estudos para isso).
II – Estes estudos (caso tenham havido) foram realizados em número suficiente e por pessoas que têm autoridade e competência para que se possa acreditar absolutamente em suas conclusões.

Dessa forma, caso não se possa analisar a veracidade destas premissas, restará tomar o argumento como DOGMA, e assim, incontestável. Caso se possa, inevitavelmente se chegaria à conclusão de que há margens de dúvida nesta afirmação. Obviamente que o significado de “número suficiente de estudos” e “pessoas com autoridade e competência para conclusões” são permeados de valores subjetivos (ou seja, pessoais e, portanto, variáveis de indivíduo para indivíduo). O número suficiente de estudos pode variar de acordo com o grau de rigorosidade que se quer atribuir ao resultado da pesquisa. Da mesma forma o grau de confiabilidade que se atribui aos pesquisadores envolvidos. Desta maneira, é inevitável a fixação de critérios objetivos (exatos, e não variáveis de indivíduo para indivíduo) para o aferimento destas variáveis, que, mesmo não sendo do agrado de todos, devem satisfazer ao rigor de uma maioria. E se isso não garante a fidelidade absoluta do resultado, ao menos confere uma certa segurança de que se está um pouco mais próximo disso. Desta forma é que um grupo considerável de cientistas decide o que é cientificamente aceitável, e o que não é. É claro que não se pode presumir, como já dissemos anteriormente, que os cientistas possam simplesmente se abstrair de todo e qualquer valor subjetivo, ou até mesmo da vaidade de não querer ceder a novas idéias que contrariem as suas. Mas quero crer que somente essa vaidade não seria suficiente para aprisionar as novas idéias eternamente, se elas estiverem baseadas em estudos criteriosos. Novas gerações de cientistas devem servir para remover este aspecto conservador e permitir a evolução das idéias e teorias (afinal, é possível que nada tenha sido tão revolucionária na história do homem quanto foi a Ciência).

Um ponto importante da divergência entre cientistas e religiosos está concentrada no tópico a seguir.

EVOLUCIONISMO X CRIACIONISMO

Antes de mais nada, é importante lembrar o fato de que ambas as teorias têm seus defensores, produções literárias, e cientistas conceituados. A Evolução, contudo, tem mais adeptos no meio científico, podendo ser considerada uma idéia praticamente hegemônica. O que há, de fato, são cientistas procurando pontos falhos da teoria, e grupos de religiosos utilizando estes pontos falhos, e outros pontos pouco detalhados ou permeados de certa abstração especulativa, para tentar minar a teoria como um todo e para justificar que, em sendo a teoria da Evolução falha, logo a teoria do Criacionismo seria verdadeira. Não merece acolhida tal pensamento. Afinal, ambas as teorias possuem falhas (aliás, acredito mesmo ser impossível existir uma teoria que não possua falhas, por mais que possam permanecer escondidas durante algum tempo ou aos olhos de alguns), e é possível, teoricamente, que a verdade esteja um pouco com cada um dos lados, ou ainda com nenhum dos dois.

Do ponto de vista acadêmico, muito cuidado devemos exigir dos envolvidos neste debate, para que não deixem suas paixões contaminarem a razão. Os evolucionistas devem tomar cuidado para que seus argumentos não acabem sendo tomados também como dogmas, e que a validade de suas premissas não possa ser verificada criteriosamente. Pois sabemos que é arriscado ter verdades absolutas na ciência. Os mais sensatos sabem que as teorias se alternam e evoluem, na busca por respostas a questões que periodicamente surgem, com a constante descoberta e armazenamento de novas informações.

Mas se os cientistas devem ter este cuidado, muito mais o deverão ter os religiosos mais radicais, que não têm nenhum compromisso com a evolução das idéias, uma vez que consideram que há apenas uma interpretação correta e acabada das escrituras (apesar de cada seita ou religião possuir uma interpretação diferente a respeito de seu conteúdo), e que deve-se crer cegamente na verdade do que é nessas escrituras narrado e ensinado.

A QUESTÃO DA FÉ

Segundo as Testemunhas de Jeová, a fé seria a certeza de um acontecimento futuro que não pode ser verificado de antemão. Assim, crê-se cegamente neste evento futuro, que seria o Reino de Deus que está por vir para recompensar os justos e punir os ímpios. Este evento, se resumido a um argumento, ficaria: “O Reino de Deus se instalará em breve, recompensando os justos e punindo os ímpios.”

Para aferição lógica deste argumento, como já vimos, necessário seria desmembrá-lo nas premissas que lhe dão sustentação:

Premissa I – A Bíblia menciona que o Reino de Deus se instalará em breve, recompensando os justos e punindo os ímpios;
Premissa II – A Bíblia está sempre certa.
Logo, segundo os que assim o crêem, é verdadeiro o argumento de que “o Reino de Deus se instalará em breve, recompensando os justos e punindo os ímpios.”

E, como já vimos, querendo analisar a veracidade deste argumento, necessário se faz verificar a veracidade de suas premissas. A premissa I é facilmente verificável como verdadeira, bastando para isso um pouco de estudo bíblico. O problema está com a premissa II (“a bíblia está sempre certa”), que como já vimos, é um DOGMA, e não pode ser contestado em suas premissas - que, como já vimos, são:
I – Houve estudos - ou não são necessários estudos - que comprovam a veracidade da Bíblia.
II – Estes estudos - caso tenham havido - foram realizados em número suficiente, e por pessoas que têm autoridade e competência para que se possa acreditar absolutamente em suas conclusões.

Do ponto de vista lógico, se nem nos estudos científicos razoavelmente hegemônicos poderemos acreditar cegamente, por que deveríamos acreditar cegamente nos estudos da minoria que defende exatamente o oposto?

Restar-nos-ia então a FÉ para que acreditemos nos DOGMAS defendidos pelas religiões. E, ainda, esta FÉ não pode se apoiar na lógica, e assim também, não pode se apoiar na razão (ao menos na maneira acadêmica como encaramos esta). É lógico que, se quisermos considerar a compreensão do mundo como fenômeno subjetivo (individual) por definição, então toda concepção seria permitida, e seria possível até que acabemos justificando a fé pela lógica e pela razão individual de uma pessoa ou grupo.

Mas surge aí uma questão fundamental - que é o que amarra necessariamente a filosofia e a ciência -, que é a questão da objetividade e subjetividade do conhecimento. Talvez então encontraríamos justificativa para a existência do dogma, tanto para um como o outro lado da questão, como necessário para a fixação dos critérios básicos necessários para a aferição da veracidade de uma afirmação.

É este, sem dúvida, o ponto sobre o qual se apóiam os religiosos para justificar o uso da fé. Um homem sem fé, dizem, caminha na dúvida, e a dúvida só pode resultar em desespero. E aí enfrentaríamos uma pergunta clássica, sobre aquilo que é melhor: a incerteza das coisas na busca criteriosa da verdade, ou uma falsa verdade que preencha o vazio provocado pela incerteza?

Os religiosos acham impossível viver na incerteza das coisas, e buscam rapidamente uma certeza absoluta sobre a qual se basear. Não são, porém, apenas os religiosos que assim o fazem, mas acredito que a maioria dos seres humanos. Talvez não estejam incluídos os considerados céticos puros. Outros, no entanto, diriam que até os céticos repousam sobre o dogma da dúvida como única verdade possível.

O Diabo e a Dúvida

Segundo os religiosos, a dúvida provém do diabo, que induz-nos a duvidar ou da autoridade ou mesmo da existência divina. Como admirador dos critérios lógicos que sou, eu não poderia simplesmente descartar qualquer das hipóteses, sem uma mínima análise racional, pois, por princípio, qualquer argumento pode ser em tese verdadeiro. A meu ver, e correndo risco de adentrar em a área teológica, uma maneira de tentar resolver a questão seria agir para que esta dúvida não comprometa ensinos morais fundamentais, inseridos grande parte deles entre os mandamentos religiosos, sobre uma vida dedicada ao fazimento do bem e o conhecimento do mal, para não se deixar enganar.

Ora, mas já é comum o pensamento de que conceitos como bem e mal são subjetivos (e por isso variáveis conforme os grupos ou pessoas). Assim, não poderíamos simplesmente rotular as coisas como boas e más. Mas do ponto de vista da rejeição dos dogmas religiosos, penso que uma interpretação alternativa poderia garantir que os preceitos religiosos e morais que considero fundamentais possam ser mantidos. Assim, como exemplo, princípios como o amor ao próximo devem ser levados em consideração independentemente de se ter a Bíblia como uma verdade absoluta ou não. A caridade e preocupação com as injustiças sociais podem e devem ser levadas a cabo independente de se acreditar cegamente em Deus ou de se ter dúvidas sobre a sua existência, pois estes são princípios ÉTICOS necessários ao bom desenvolvimento dos seres da Terra. São dogmas MORAIS, que facilmente poderiam substituir os dogmas religiosos para uma boa convivência dos homens (e não seria este o maior exemplo a ser aprendido com o Cristo: o desapego a questões menos essenciais decorrentes de um grande número de leis e normas de conduta, quando deveríamos nos concentrar em coisas mais essenciais como o amor ao próximo e um estilo de vida mais humilde?).

E se, segundo os religiosos, seguir estes mandamentos é fazer a vontade do diabo, penso que talvez devêssemos ponderar melhor sobre os papéis de Deus e do diabo, e sobre quais das orientações seriam melhores para a humanidade. Mas, enfim, se realmente existir um Deus, e sendo ele justo, repousaremos tranqüilos, pois teremos então certeza de que toda decisão sua (mesmo que contra nós) será uma decisão justa.

Humildade como princípio

Informam-nos os religiosos que a verdade só será conhecida pelos que tiverem, entre outras coisas, humildade. De fato, humildade de aceitarem que suas idéias, adquiridas de sua tradição, possam estar erradas, ainda mais por sermos humanos, naturalmente imperfeitos, sujeitos a falhas de todo tipo, inclusive de discernimento. Afirmam isso com a intenção de que se reconheça que as tradições não-bíblicas estão erradas, e que a verdade constante na Bíblia só seria compreendida por quem tivesse a humildade de reconhecê-la nos moldes da interpretação daquele que o afirma.

Ora, que é necessário humildade para que se possa buscar a verdade, isto é indiscutível. Assim, os próprios religiosos que quiserem perseverar nesta busca deveriam ter humildade para admitir que eles, também seres humanos imperfeitos como nós, podem estar errados, e que o que eles crêem como verdade absoluta, pode não ser tão absoluta assim.


(texto escrito em 2002)

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"Quem matou o artista? Há assim várias hipóteses. E também vários suspeitos. Foi o martelo do operário? Ou foi apenas um acidente de trabalho? Foi a caneta do burocrata? Ou se intoxicou com a tinta dos carimbos? Ou foi o giz da sala de aula? Foi uma bala perdida? Ou ela era direcionada? Ou talvez tenha morrido de fome, para aumentar os lucros dos investidores?


O artista morreu, mas se recusa a ser enterrado
Levanta-se do caixão e corre desatinado
Nu pelos campos
Causando espanto entre as velhas senhoras da sociedade
As pessoas se espantam e gritam
E os senhores engravatados se reúnem:
O artista só faz perturbar a ordem!
E isso não é bom para os negócios
Quem vai conseguir enterrar o artista
e conseguir enfim estabelecer a ordem no mundo?

O artista tem o peito aberto
Por onde escorrem-lhe as entranhas
É agora um zumbi, um verme, um corvo
Transformando o podre em nova vida
E produz mau cheiro
Chafurda a morte
Tem um vômito ácido
Mas toma um Sonrisal® e segue em frente

Já não tem fígado ou pulmão
E o coração está em pedaços
E ainda assim, de suas tripas espalhadas,
Constrói sua obra-prima"


(Paulo A.C.B.Jr)