23 de junho de 2013

A inevitável tomada de posição

Sou totalmente a favor das manifestações que vem ocorrendo a partir do Movimento Passe Livre. Algumas vezes fico mesmo emocionado ao ver a população nas ruas exigindo mudanças e cobrando dos governos (coisas que nós progressistas sempre sonhamos que acontecesse no Brasil). Mas isso já tem sido quase unânime, então pra tentar fugir um pouco do maniqueísmo acrítico, é sempre útil algum toque de reflexão. Segue:

Alguém teve a ideia de organizar uma pauta de reivindicações pra tornar mais eficientes os protestos. O primeiro item sugerido foi: - solidariedade a ações de movimentos sociais como o MST, a fim de aumentar a pressão ao governo pela reforma agrária; outros, contudo, gritaram: - Não! Exigimos é que o governo deixe de ser complacente com os ataques à propriedade cometidos pelo MST!; Em seguida, tentaram incluir uma proposta de ampliação do sistema de cotas, ao que era respondido: Pelo fim das cotas! Queremos respeito aos méritos individuais! Outros sugeriam combate ao neoliberalismo com sua proposta de Estado mínimo, enquanto outros respondiam: pela diminuição da máquina estatal e dos gastos públicos! Uns sugeriam a anulação das privatizações, enquanto outros postulavam sua ampliação. Em seguida, outra sugestão: ato de repúdio à mídia conservadora e golpista que criminaliza os movimentos sociais. Ao que responderam: impeachment à Dilma, PT nunca mais! Outra sugestão foi a legalização das drogas. Outros, contudo, diziam: Pelo contrário, exigimos o recrudescimento no combate às drogas! Uns pleiteavam: fim do sistema prisional medieval e racista! Outros vociferavam: redução da maioridade penal! Um sujeito que portava uma bandeira de partido de esquerda foi agredido por um militante de extrema-direita e gritou: Abaixo a censura! Liberdade de manifestação! Ao que o outro militante levantou uma bandeira nazista e ouviu do primeiro: Abaixo os nazistas!

Por fim, se entenderam quando sugeriram a bandeira do combate à corrupção. Mas no final, foi impossível mantê-los unidos. Uns se dirigiram para a frente do palácio do governo do PT, enquanto os outros para o do PSDB.

Aqueles, contudo, que consideravam que todos os partidos são iguais, se enganaram ao pensar que é possível fazer política por fora das questões ideológicas (talvez seja até possível política sem partidos, mas nunca sem ideologias). Esqueceram que a sociedade é naturalmente dividida em torno de questões essenciais, que exigem, portanto, uma "tomada de partido". Somos todos contra a corrupção, e por isso essa é uma bandeira que normalmente traz consigo algumas outras (menos unânimes) e que devemos estar atentos. Questões que exigem uma maior reflexão e que denunciam a [inevitável] ideologia do grupo que as utiliza (como chamariz). Questões que costumam ir um pouco além do "bom senso" a que as pessoas não politizadas estão habituadas a acreditar como ferramenta a que tudo resolva em política.
Assim, ao contrário da tendência de aversão à política que pode acompanhar o possível sentimento "antipartidos", tenho por inevitável a politização dos que querem transformar a política. Pois quem não se politiza (o que implica um pouco de pesquisa séria) corre o risco de ser manipulado e favorecer a um dos lados do conflito ideológico, sem saber ou sem querer.

18 de junho de 2013

Protestos e conflitos sociais no Brasil em junho de 2013



Sem saber direito o que tem acontecido no mundo por esses dias (tenho estado bastante ocupado com atividades de final de curso de pós-graduação), acabei parando pra dar um olhada nos acontecimento, e acabei me detendo em uma constatação curiosa. Ao que parece o movimento contestatório dos últimos dias se ampliou para além da questão da tarifa do transporte público. Recebi um post com foto no facebook que alertava: "É o empresário que leva este país pra frente. Menos tributos!". O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), hoje, em encontro com o Movimento do Passe livre, informou que a redução das tarifas só seria possível com remanejamento de tributos (Haddad disse que 70% dos impostos municipais são destinados, conforme a Constituição, à saúde e à educação - segundo ele, se o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana fosse dobrado, as tarifas seriam reduzidas em 50%). Uma das manifestantes disse discordar em relação à questão do remanejamento dos impostos: "A gente tem que tirar lucro dos empresários". 

Semana passada, a polícia militar do Estado de São Paulo, do Governador Geraldo Alckmin (PSDB), desceu o cacete nos manifestantes contrários ao aumento da tarifa.

Na abertura da Copa das Confederações, a presidenta Dilma foi vaiada por uma população pagante de ingressos elitizados. Outro grupo, ainda, protestava contra os gastos da Copa, e obteve a seguinte resposta da Presidência: "se é um sentimento de que a Copa não é adequada, vamos informar qual o investimento que fizemos nos Estados em infraestrutura". A ministra-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência afirmou que "a presidente considera que as manifestações pacíficas são legítimas e são próprias da democracia e que é próprio dos jovens se manifestarem".
Segundo Haddad, em São Paulo, apenas 10% do transporte é subsidiado pelos empresários, enquanto 20%, pela prefeitura e 70% pela população. O ideal, segundo o prefeito, seria que a participação dos empresários aumentasse para um terço. O Prefeito disse ainda que nunca utilizou "a palavra vândalo, baderneiro, isso não faz parte do meu vocabulário político", em clara referência ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), que, ao falar sobre um protesto na semana passada, disse que era “intolerável a ação dos baderneiros”. 

Outro post, alertava que "visita do papa Francisco ao Brasil deverá custar quase R$ 120 milhões aos cofres dos governos federal, estadual e municipal." Notícia recente do Estadão informava que "Católicos se concentram em bairros nobres" de São Paulo. 

O Governador Geraldo Alckmin argumentou que o valor da tarifa deveria ficar em R$ 3,30, dez centavos a mais, caso houvesse o repasse do IPCA, e que o reajuste deveria ter sido feito em janeiro. "Não fizemos o reajuste a pedido do governo federal. Durante seis meses o governo de São Paulo bancou o subsídio", disse o governador, que participa em Campinas de um evento de anúncio das obras de prolongamento do anel viário da cidade.

Enfim: Empresários contra o governo, manifestantes contra o governo e contra os empresários, governo contra governo, polícia a favor do governo dos empresários contra manifestantes, torcedores pagando ingressos vultosos e torcendo por jogadores ricos em eventos milionários, e os católicos aguardando o Papa em suas residências de luxo no Jardim Paulista. Deixei passar alguma coisa?
"Quem matou o artista? Há assim várias hipóteses. E também vários suspeitos. Foi o martelo do operário? Ou foi apenas um acidente de trabalho? Foi a caneta do burocrata? Ou se intoxicou com a tinta dos carimbos? Ou foi o giz da sala de aula? Foi uma bala perdida? Ou ela era direcionada? Ou talvez tenha morrido de fome, para aumentar os lucros dos investidores?


O artista morreu, mas se recusa a ser enterrado
Levanta-se do caixão e corre desatinado
Nu pelos campos
Causando espanto entre as velhas senhoras da sociedade
As pessoas se espantam e gritam
E os senhores engravatados se reúnem:
O artista só faz perturbar a ordem!
E isso não é bom para os negócios
Quem vai conseguir enterrar o artista
e conseguir enfim estabelecer a ordem no mundo?

O artista tem o peito aberto
Por onde escorrem-lhe as entranhas
É agora um zumbi, um verme, um corvo
Transformando o podre em nova vida
E produz mau cheiro
Chafurda a morte
Tem um vômito ácido
Mas toma um Sonrisal® e segue em frente

Já não tem fígado ou pulmão
E o coração está em pedaços
E ainda assim, de suas tripas espalhadas,
Constrói sua obra-prima"


(Paulo A.C.B.Jr)