29 de maio de 2013

Entendendo a violência no Brasil (do descobrimento aos anos 80, quando tudo piorou...)




No início, o Brasil era um lugar tranquilo. Época em que foram dizimados quase todos os índios e trazidos negros pra cá à força, onde eram escravizados, torturados e mortos. As revoltas também eram controladas com eficiência, pela aliança sempre atual entre o Estado e as elites (os morros, que à época se chamavam quilombos, eram invadidos e destruídos). Depois da abolição da escravidão, os habitantes dos quilombos e das senzalas se refugiam nas periferias. Novamente, os motins e rebeliões eram contidos com eficiência, com a polícia ou o exército exterminando todos os revoltosos, como em Canudos ou no Contestado. Assim, o clima era de paz. Da República até os anos 30, República do Café com Leite, em que os políticos decidiam o que era melhor para o povo, por meio de fraudes eleitorais explícitas (utilizadas pra garantir que o povo não errasse nunca na escolha). Depois de 1930, a Era Vargas. Enquanto o nazismo prosperava na Europa, Getúlio se manteve. Com a queda do nazismo, Getúlio cai, iniciando uma tênue democracia no Brasil, em que até o Partido Comunista consegue ser legalizado (ainda que só por um ano, sendo novamente cassado em 1947...). Anos depois, em 1964, a direita linha dura, para defender os cidadãos de bem, "salva" a lei e a ordem no Brasil, rasgando a Constituição e depondo o presidente. A esquerda, não concordando com a ilegitimidade do poder dos conservadores, se mobiliza contra o estado autoritário. Em 1968, então, a direita "lei e ordem" decreta o AI-5, institucionalizando o autoritarismo - pois o Direito estava atrapalhando o combate eficiente aos inimigos do Estado. Nos anos 70, o grande desfecho: a polícia e o exército ganham especial importância - acima, inclusive, da lei. Quando voltou o Estado de Direito (CF/88), a estrutura de poder e influência que funcionava à margem da lei, auxiliando as eficientes práticas de combate ao crime, procurou se manter, aliando agora funcionários públicos, polícia, empresários e contraventores das antigas redes de comando em novas organizações clandestinas e milionárias que atuam até hoje. Tudo culpa dos índios e negros que ora lotam nossos presídios. Apesar disso, o Brasil nunca foi tão violento. Acho que a solução é reduzir a idade penal.

9 de maio de 2013

Democracia, burrice, ignorância e maldade - os vícios do sistema democrático e o direito de ser idiota, parte II


Segundo Albert Camus, “só há um problema filosófico verdadeiramente sério: o suicídio". Aproveito-me de sua técnica pra apontar o problema que considero fundamental acerca da democracia: sua convivência inevitável com a ignorância, a burrice e a maldade.

Dito de outra forma, tenho que a ignorância do homem (em especial do chamado "homem médio") tende a colocar todo o processo democrático a perder. Ignorante aqui especialmente acerca de sua própria concepção de mundo (normalmente nada além de um embaralhado de opiniões casuísticas acerca de assuntos do dia-a-dia, e que não subsistem a uma análise mais aprofundada sobre as efetivas razões que as sustentam - exemplo do indivíduo que defende o direito ao aborto porque achou que a argumentação de um determinado entrevistado da TV "fazia sentido", ao mesmo tempo em que combate os direitos dos homossexuais porque achou que uma outra argumentação de outro entrevistado, em outra circunstância qualquer, também "fazia sentido" - nesse ponto, arrogo-me no direito de não ser científico para apostar que cerca de 90% de nossos cidadãos usam métodos do tipo pra formar suas chamadas "convicções"). Essa ignorância em relação aos valores que fundamentam determinados posicionamentos ou que fundamentam sua própria posição pode ocasionar opiniões diferentes em relação a assuntos por ele considerados como independentes, mas que de fato estão baseados em princípios que exigiriam (caso houvesse compromisso com certa coerência de posições) uma ligação necessária entre si. Assim, sem compromisso com uma agenda de ideias bem definidas ou coerentemente elaboradas com base em princípios norteadores (normalmente vinculadas a correntes de pensamento mais ou menos já estabelecidas no espectro ideológico), mas em nome da pretensa "autonomia" de defender ideias descoladas de um linha argumentativa coerente (comprometido apenas em relação ao que acredita "fazer sentido"), este indivíduo oscila nas votações entre os mais diversos candidatos dispostos nos mais diversos contextos, votando com base em critérios obscuros que em nada contribuem para o processo ou da discussão democrática (pois geralmente votam em espectros do que eles "acham" que aquele candidato ou partido representa, sendo normalmente manipuláveis pelas "impressões", mais então do que pela verdadeira convicção). Referido indivíduo, sem conhecer que se vincula a uma ideologia específica, ligado a um certo "autonomismo" comprometido apenas consigo mesmo (de forma ineficiente, grande parte das vezes) e com o que considera "fazer sentido" em um cenário específico (independente de um contexto principiológico maior), está de fato vinculado a uma ideologia espontaneísta - confiante demais no próprio senso comum - que ao invés de ser radicalmente combatida, acaba sendo disputada pelos políticos mediante as mais diversas técnicas. Da mesma forma mas em sentido diverso, temos os que acreditam professar determinada ideologia constante no espectro, ou um partido que a representaria, com base em uma ideia nebulosa ou mesmo equivocada acerca desta, sendo na prática um defensor de uma corrente que lhe é ideologicamente oposta (com a qual imagina não simpatizar também por conta de uma imagem equivocada a seu respeito). Assim, defende e ataca espectros do que equivocadamente acredita representar referidas ideologias, votando assim, sem saber, contra seus próprios valores tradicionalmente defendidos na prática, comprometendo mais uma vez o processo de escolha democrática (e este pode ser o mote que nos remete ao próximo ponto).

Assim, temos que outro grande aliado da ignorância manifestada no processo democrático seja a burrice. Neste caso, há a negação em si da lógica racional inerente ao processo democrático (que manda serem escolhidos aqueles que representam nossos reais interesses) e que embasa de forma eficiente qualquer decisão de forma responsável. Dessa forma, torna-se impossível mesmo a demonstração de equívocos do eleitor, uma vez que não há compromisso sequer com um raciocínio capaz de possibilitar a demonstração de um possível equívoco. Acredito que ocorra em menor grau que a ignorância, mas é uma variável que não se deve descartar (um exemplo possível seria o de um vendedor ambulante que vota em alguém comprometido exatamente com o combate ao comércio ambulante ou de um conservador que vota no PT e que depois fica indignado por eles aprovarem políticas de cotas, redução de penas e outras medidas liberais que constam em seu programa desde os anos 80). Mas talvez o maior prejuízo atribuível à incapacidade de raciocínio decorrente de referido vício seja a impossibilidade mesmo de entender os pressupostos que sustentam o regime democrático, arriscando-se assim sua própria sobrevivência (além do inevitável comprometimento dos processos de argumentação e contra-argumentação, fundamentais ao entendimento democrático). A principal aliança entre burrice e ignorância talvez seja a falta de qualquer vontade de superá-las (seja achando-se entendido o bastante pra corresponder à sua condição de cidadão ou achando que não tem qualquer obrigação de melhor se preparar a esse respeito - mas isso acaba guardando relação também com o próximo ponto).

Há, então, por fim, a maldade - mas essa, por carecer de critérios claros de definição, fica mais difícil de mensurar. Há, sem dúvida, os que defendem políticas de extermínio em geral ou discursos de ódio, racismo e superioridade os mais diversos, e que usam das liberdades democráticas para tentar fazer prevalecer esse tipo de prática. Nesse sentido, então, pode-se aproveitar o ensejo pra falar de uma outra prática talvez nociva que pode ser usado dessa forma (ainda que, por enquanto seja uma possibilidade meramente teórica) e tem a ver com outro direito reivindicado: o direito de ser idiota, já mencionado noutras oportunidades. Ora, o indivíduo, utilizando-se de uma possível prerrogativa de ser um "idiota", pode, unindo-se a outros tantos com o mesmo compromisso, votar simplesmente no pior candidato, com o único intuito de prejudicar o processo democrático. Usando exemplos mais práticos, tem-se na liberdade de ser idiota o direito de votar em quem quer que seja, sem compromisso com ideologias ou correntes de pensamento, simplesmente pelo motivo que quiser, sem ter que prestar contas a ninguém sobre isso. Nesse ponto de vista, o direito de ser idiota pode ser um dos grandes males no sistema democrático, porque indetectável e não sujeito a um combate eficiente. Afinal, não há lei possível de aprovação que impeça um idiota de votar.

Antes de encerrar, acredito que seja possível ainda incluir no campo da maldade ou má-fé todos aqueles detentores de grande poder político (derivado normalmente do poder econômico) que manipulam o processo político a seu favor. Esses, talvez, os maiores inimigos de fato da democracia, normalmente manifestados em torno da aliança poder econômico-mídia-poder político, alicerçados grandemente nas mazelas indicadas anteriormente.

Esses, a meu ver, os principais entraves, difíceis de contornar, para a efetiva eficiência do sistema democrático. Apesar de tudo, tenho a democracia como o melhor sistema de todos. Por isso a necessidade de que nos empenhemos em entendê-la (coisa que poucos na verdade o fazem), para que um dia consigamos colocá-la verdadeiramente em prática.

3 de maio de 2013

Rapidíssimas: o direito de ser idiota e outras notas sobre o senso comum




Por que é muito provável que grande parte do conhecimento obtido via senso comum esteja certo ou, ao menos, não ofereça riscos importantes a ponto de exigir uma classificação do tipo?

R: É notório que a imensa maioria dos conhecimentos que utilizamos nas atividades cotidianas e que nos habilitam a viver nosso dia-a-dia não são obtidos por meio de revistas científicas. Isso basicamente por dois motivos: ou são inofensivos demais para que um possível erro de avaliação precise ser enfaticamente combatido pela ciência, ou tratam de coisas que o mero costume alcançou uma fórmula sobre a qual a ciência ou o raciocínio lógico não têm qualquer interesse em analisar seriamente (ex.: hábito de usar pijamas, pentear o cabelo, abrir a panela, empinar a roda da bicicleta, usar terno, sapatos ou cinto para ir trabalhar, ouvir rádio no trajeto do trabalho, o modo de amarrar os cadarços, a maneira "correta" de tomar banho, etc.).

Agora, em relação a uma certa minoria de conhecimentos que realmente importam para a qualidade de vida do ser humano, da sociedade ou dos seres vivos em geral, precisamos tomar cuidado com o que leciona o senso comum (esse conhecimento obtido sem critérios, mas que "parecem" corretos). Aí a racionalidade precisa ser mais apurada que o costume, sendo o maior exemplo as questões que implicam em opinião de "certo" e "errado" em matéria de comportamentos sociais em geral (ainda que se considere que haja inevitavelmente correntes a respeito do assunto - sendo ideal mesmo que se conheça todas, e razoável que se conheça ao menos a maior parte delas, ou, de forma suficiente, as mais importantes, para que assim se possa estabelecer o devido elo argumentativo entre elas, bem como em relação ao objeto tratado, com base em métodos mais confiáveis, normalmente partindo de critérios lógico-racionais).

Em matéria de educação (esse "grande esforço coletivo na intenção de tornar o mundo melhor"), melhor guardar os "achismos" para si, eis que na maior parte das vezes (em relação aos temas importantes) só serviriam para deseducar a população ou legitimar definitivamente o erro. Obviamente que é difícil agir com a responsabilidade que essa racionalidade exige (a maioria talvez nem saiba como raciocinar corretamente, com base na lógica - apesar de que normalmente se pensa que sabe), mas em nome da evolução cultural da humanidade, é sugerido que se duvide mais de suas convicções antes de passá-las adiante (por mais que elas pareçam "fazer sentido").

Não obstante...

Duas são as questões sobre as quais considero importante refletir, e em relação as quais não consegui alcançar resposta satisfatória (e que guardam relação com a questão suscitada).

Primeiro: O papel que deve ocupar a opinião do ignorante (assim considerado aquele que não tem conhecimento suficiente sobre determinado tema que exige reflexões e conhecimentos mais apurados)

Segundo: O direito de ser "idiota" (lembre-se: cada vez que você, no papel de educador, ensina que "o certo" é algo em relação ao qual há no mínimo grandes controvérsias a respeito - as quais você deveria ao menos conhecer - você está sendo, no mínimo, um idiota...).


"Quem matou o artista? Há assim várias hipóteses. E também vários suspeitos. Foi o martelo do operário? Ou foi apenas um acidente de trabalho? Foi a caneta do burocrata? Ou se intoxicou com a tinta dos carimbos? Ou foi o giz da sala de aula? Foi uma bala perdida? Ou ela era direcionada? Ou talvez tenha morrido de fome, para aumentar os lucros dos investidores?


O artista morreu, mas se recusa a ser enterrado
Levanta-se do caixão e corre desatinado
Nu pelos campos
Causando espanto entre as velhas senhoras da sociedade
As pessoas se espantam e gritam
E os senhores engravatados se reúnem:
O artista só faz perturbar a ordem!
E isso não é bom para os negócios
Quem vai conseguir enterrar o artista
e conseguir enfim estabelecer a ordem no mundo?

O artista tem o peito aberto
Por onde escorrem-lhe as entranhas
É agora um zumbi, um verme, um corvo
Transformando o podre em nova vida
E produz mau cheiro
Chafurda a morte
Tem um vômito ácido
Mas toma um Sonrisal® e segue em frente

Já não tem fígado ou pulmão
E o coração está em pedaços
E ainda assim, de suas tripas espalhadas,
Constrói sua obra-prima"


(Paulo A.C.B.Jr)