No início, o Brasil era um lugar tranquilo. Época em que
foram dizimados quase todos os índios e trazidos negros pra cá à força, onde
eram escravizados, torturados e mortos. As revoltas também eram controladas com
eficiência, pela aliança sempre atual entre o Estado e as elites (os morros,
que à época se chamavam quilombos, eram invadidos e destruídos). Depois da
abolição da escravidão, os habitantes dos quilombos e das senzalas se refugiam
nas periferias. Novamente, os motins e rebeliões eram contidos com eficiência,
com a polícia ou o exército exterminando todos os revoltosos, como em Canudos
ou no Contestado. Assim, o clima era de paz. Da República até os anos 30,
República do Café com Leite, em que os políticos decidiam o que era melhor para
o povo, por meio de fraudes eleitorais explícitas (utilizadas pra garantir que
o povo não errasse nunca na escolha). Depois de 1930, a Era Vargas. Enquanto o
nazismo prosperava na Europa, Getúlio se manteve. Com a queda do nazismo,
Getúlio cai, iniciando uma tênue democracia no Brasil, em que até o Partido
Comunista consegue ser legalizado (ainda que só por um ano, sendo novamente
cassado em 1947...). Anos depois, em 1964, a direita linha dura, para defender
os cidadãos de bem, "salva" a lei e a ordem no Brasil, rasgando a
Constituição e depondo o presidente. A esquerda, não concordando com a
ilegitimidade do poder dos conservadores, se mobiliza contra o estado
autoritário. Em 1968, então, a direita "lei e ordem" decreta o AI-5,
institucionalizando o autoritarismo - pois o Direito estava atrapalhando o
combate eficiente aos inimigos do Estado. Nos anos 70, o grande desfecho: a
polícia e o exército ganham especial importância - acima, inclusive, da lei.
Quando voltou o Estado de Direito (CF/88), a estrutura de poder e influência
que funcionava à margem da lei, auxiliando as eficientes práticas de combate ao
crime, procurou se manter, aliando agora funcionários públicos, polícia,
empresários e contraventores das antigas redes de comando em novas organizações
clandestinas e milionárias que atuam até hoje. Tudo culpa dos índios e negros que
ora lotam nossos presídios. Apesar disso, o Brasil nunca foi tão violento. Acho
que a solução é reduzir a idade penal.
29 de maio de 2013
9 de maio de 2013
Democracia, burrice, ignorância e maldade - os vícios do sistema democrático e o direito de ser idiota, parte II
Segundo
Albert Camus, “só há um problema filosófico verdadeiramente sério: o
suicídio". Aproveito-me de sua técnica pra apontar o problema que
considero fundamental acerca da democracia: sua convivência inevitável
com a ignorância, a burrice e a maldade.
Dito de outra forma, tenho que a ignorância
do homem (em especial do chamado "homem médio") tende a colocar todo o
processo democrático a perder. Ignorante aqui especialmente acerca de
sua própria concepção de mundo (normalmente nada além de um embaralhado
de opiniões casuísticas acerca de assuntos do dia-a-dia, e que não
subsistem a uma análise mais aprofundada sobre as efetivas razões que as
sustentam - exemplo do indivíduo que defende o direito ao aborto porque
achou que a argumentação de um determinado entrevistado da TV "fazia
sentido", ao mesmo tempo em que combate os direitos dos homossexuais
porque achou que uma outra argumentação de outro entrevistado, em outra
circunstância qualquer, também "fazia sentido" - nesse ponto, arrogo-me
no direito de não ser científico para apostar que cerca de 90% de nossos
cidadãos usam métodos do tipo pra formar suas chamadas "convicções").
Essa ignorância em relação aos valores que fundamentam determinados
posicionamentos ou que fundamentam sua própria posição pode ocasionar
opiniões diferentes em relação a assuntos por ele considerados como
independentes, mas que de fato estão baseados em princípios que
exigiriam (caso houvesse compromisso com certa coerência de posições)
uma ligação necessária entre si. Assim, sem compromisso com uma agenda
de ideias bem definidas ou coerentemente elaboradas com base em
princípios norteadores (normalmente vinculadas a correntes de pensamento
mais ou menos já estabelecidas no espectro ideológico), mas em nome da
pretensa "autonomia" de defender ideias descoladas de um linha
argumentativa coerente (comprometido apenas em relação ao que acredita
"fazer sentido"), este indivíduo oscila nas votações entre os mais
diversos candidatos dispostos nos mais diversos contextos, votando com
base em critérios obscuros que em nada contribuem para o processo ou da
discussão democrática (pois geralmente votam em espectros do que eles
"acham" que aquele candidato ou partido representa, sendo normalmente
manipuláveis pelas "impressões", mais então do que pela verdadeira
convicção). Referido indivíduo, sem conhecer que se vincula a uma
ideologia específica, ligado a um certo "autonomismo" comprometido
apenas consigo mesmo (de forma ineficiente, grande parte das vezes) e
com o que considera "fazer sentido" em um cenário específico
(independente de um contexto principiológico maior), está de fato
vinculado a uma ideologia espontaneísta - confiante demais no próprio
senso comum - que ao invés de ser radicalmente combatida, acaba sendo
disputada pelos políticos mediante as mais diversas técnicas. Da mesma
forma mas em sentido diverso, temos os que acreditam professar
determinada ideologia constante no espectro, ou um partido que a
representaria, com base em uma ideia nebulosa ou mesmo equivocada acerca
desta, sendo na prática um defensor de uma corrente que lhe é
ideologicamente oposta (com a qual imagina não simpatizar também por
conta de uma imagem equivocada a seu respeito). Assim, defende e ataca
espectros do que equivocadamente acredita representar referidas
ideologias, votando assim, sem saber, contra seus próprios valores
tradicionalmente defendidos na prática, comprometendo mais uma vez o
processo de escolha democrática (e este pode ser o mote que nos remete
ao próximo ponto).
Assim, temos que outro grande aliado da ignorância manifestada no processo democrático seja a burrice.
Neste caso, há a negação em si da lógica racional inerente ao processo
democrático (que manda serem escolhidos aqueles que representam nossos
reais interesses) e que embasa de forma eficiente qualquer decisão de
forma responsável. Dessa forma, torna-se impossível mesmo a demonstração
de equívocos do eleitor, uma vez que não há compromisso sequer com um
raciocínio capaz de possibilitar a demonstração de um possível equívoco.
Acredito que ocorra em menor grau que a ignorância, mas é uma variável
que não se deve descartar (um exemplo possível seria o de um vendedor
ambulante que vota em alguém comprometido exatamente com o combate ao
comércio ambulante ou de um conservador que vota no PT e que depois fica
indignado por eles aprovarem políticas de cotas, redução de penas e
outras medidas liberais que constam em seu programa desde os anos 80).
Mas talvez o maior prejuízo atribuível à incapacidade de raciocínio
decorrente de referido vício seja a impossibilidade mesmo de entender
os pressupostos que sustentam o regime democrático, arriscando-se assim
sua própria sobrevivência (além do inevitável comprometimento dos
processos de argumentação e contra-argumentação, fundamentais ao
entendimento democrático). A principal aliança entre burrice e
ignorância talvez seja a falta de qualquer vontade de superá-las (seja
achando-se entendido o bastante pra corresponder à sua condição de
cidadão ou achando que não tem qualquer obrigação de melhor se preparar a
esse respeito - mas isso acaba guardando relação também com o próximo
ponto).
Há, então, por fim, a maldade
- mas essa, por carecer de critérios claros de definição, fica mais
difícil de mensurar. Há, sem dúvida, os que defendem políticas de
extermínio em geral ou discursos de ódio, racismo e superioridade os
mais diversos, e que usam das liberdades democráticas para tentar fazer
prevalecer esse tipo de prática. Nesse sentido, então, pode-se
aproveitar o ensejo pra falar de uma outra prática talvez nociva que
pode ser usado dessa forma (ainda que, por enquanto seja uma
possibilidade meramente teórica) e tem a ver com outro direito
reivindicado: o direito de ser idiota, já mencionado noutras
oportunidades. Ora, o indivíduo, utilizando-se de uma possível
prerrogativa de ser um "idiota", pode, unindo-se a outros tantos com o
mesmo compromisso, votar simplesmente no pior candidato, com o único
intuito de prejudicar o processo democrático. Usando exemplos mais
práticos, tem-se na liberdade de ser idiota o direito de votar em quem
quer que seja, sem compromisso com ideologias ou correntes de
pensamento, simplesmente pelo motivo que quiser, sem ter que prestar
contas a ninguém sobre isso. Nesse ponto de vista, o direito de ser
idiota pode ser um dos grandes males no sistema democrático, porque
indetectável e não sujeito a um combate eficiente. Afinal, não há lei
possível de aprovação que impeça um idiota de votar.
Antes de encerrar, acredito que seja possível ainda incluir no campo da maldade ou má-fé todos aqueles detentores de grande poder político (derivado normalmente do poder econômico) que manipulam o processo político a seu favor. Esses, talvez, os maiores inimigos de fato da democracia, normalmente manifestados em torno da aliança poder econômico-mídia-poder político, alicerçados grandemente nas mazelas indicadas anteriormente.
Antes de encerrar, acredito que seja possível ainda incluir no campo da maldade ou má-fé todos aqueles detentores de grande poder político (derivado normalmente do poder econômico) que manipulam o processo político a seu favor. Esses, talvez, os maiores inimigos de fato da democracia, normalmente manifestados em torno da aliança poder econômico-mídia-poder político, alicerçados grandemente nas mazelas indicadas anteriormente.
Esses,
a meu ver, os principais entraves, difíceis de contornar, para a
efetiva eficiência do sistema democrático. Apesar de tudo, tenho a
democracia como o melhor sistema de todos. Por isso a necessidade de que
nos empenhemos em entendê-la (coisa que poucos na verdade o fazem),
para que um dia consigamos colocá-la verdadeiramente em prática.
3 de maio de 2013
Rapidíssimas: o direito de ser idiota e outras notas sobre o senso comum
Por que é muito provável que grande parte do conhecimento obtido via
senso comum esteja certo ou, ao menos, não ofereça riscos importantes a ponto de exigir uma classificação do tipo?
R: É notório que a imensa maioria dos conhecimentos que utilizamos nas
atividades cotidianas e que nos habilitam a viver nosso dia-a-dia não são
obtidos por meio de revistas científicas. Isso basicamente por dois motivos: ou são
inofensivos demais para que um possível erro de avaliação precise ser enfaticamente combatido pela ciência, ou tratam de coisas que o mero costume alcançou uma fórmula sobre a
qual a ciência ou o raciocínio lógico não têm qualquer interesse em analisar seriamente (ex.: hábito de usar pijamas, pentear o cabelo, abrir a panela, empinar a roda da bicicleta, usar terno, sapatos ou cinto para ir trabalhar, ouvir rádio no
trajeto do trabalho, o modo de amarrar os cadarços, a maneira "correta" de tomar banho, etc.).
Agora, em relação a uma certa minoria de conhecimentos que realmente importam
para a qualidade de vida do ser humano, da sociedade ou dos seres vivos em geral, precisamos tomar cuidado com o que leciona o senso comum (esse conhecimento
obtido sem critérios, mas que "parecem" corretos). Aí a racionalidade precisa ser
mais apurada que o costume, sendo o maior exemplo as questões que implicam em
opinião de "certo" e "errado" em matéria de comportamentos sociais em geral (ainda que se considere que haja inevitavelmente correntes a respeito do assunto - sendo ideal mesmo que se conheça todas, e razoável que se conheça ao menos a maior parte delas, ou, de forma suficiente, as mais importantes, para que assim se possa estabelecer o devido elo argumentativo entre elas, bem como em relação ao objeto tratado, com base em métodos mais confiáveis, normalmente partindo de critérios lógico-racionais).
Em matéria de educação (esse "grande esforço coletivo na intenção de tornar
o mundo melhor"), melhor guardar os "achismos" para si, eis que na maior parte das vezes (em relação aos temas importantes) só serviriam para deseducar
a população ou legitimar definitivamente o erro. Obviamente que é difícil agir com a
responsabilidade que essa racionalidade exige (a maioria talvez nem saiba como raciocinar corretamente, com base na lógica - apesar de que normalmente se pensa que sabe), mas em nome da evolução
cultural da humanidade, é sugerido que se duvide mais de suas convicções antes
de passá-las adiante (por mais que elas pareçam "fazer sentido").
Não obstante...
Duas são as questões sobre as quais considero importante refletir, e em
relação as quais não consegui alcançar resposta satisfatória (e que guardam relação
com a questão suscitada).
Primeiro: O papel que deve ocupar a opinião do ignorante (assim considerado
aquele que não tem conhecimento suficiente sobre determinado tema que exige reflexões e conhecimentos mais apurados)
Segundo: O direito de ser "idiota" (lembre-se: cada vez que você, no papel de educador, ensina
que "o certo" é algo em relação ao qual há no mínimo grandes
controvérsias a respeito - as quais você deveria ao menos conhecer - você está sendo, no
mínimo, um idiota...).
Assinar:
Postagens (Atom)
"Quem matou o artista? Há assim várias hipóteses. E também vários suspeitos. Foi o martelo do operário? Ou foi apenas um acidente de trabalho? Foi a caneta do burocrata? Ou se intoxicou com a tinta dos carimbos? Ou foi o giz da sala de aula? Foi uma bala perdida? Ou ela era direcionada? Ou talvez tenha morrido de fome, para aumentar os lucros dos investidores?
O artista morreu, mas se recusa a ser enterrado
Levanta-se do caixão e corre desatinado
Nu pelos campos
Causando espanto entre as velhas senhoras da sociedade
As pessoas se espantam e gritam
E os senhores engravatados se reúnem:
O artista só faz perturbar a ordem!
E isso não é bom para os negócios
Quem vai conseguir enterrar o artista
e conseguir enfim estabelecer a ordem no mundo?
O artista tem o peito aberto
Por onde escorrem-lhe as entranhas
É agora um zumbi, um verme, um corvo
Transformando o podre em nova vida
E produz mau cheiro
Chafurda a morte
Tem um vômito ácido
Mas toma um Sonrisal® e segue em frente
Já não tem fígado ou pulmão
E o coração está em pedaços
E ainda assim, de suas tripas espalhadas,
Constrói sua obra-prima"
(Paulo A.C.B.Jr)
O artista morreu, mas se recusa a ser enterrado
Levanta-se do caixão e corre desatinado
Nu pelos campos
Causando espanto entre as velhas senhoras da sociedade
As pessoas se espantam e gritam
E os senhores engravatados se reúnem:
O artista só faz perturbar a ordem!
E isso não é bom para os negócios
Quem vai conseguir enterrar o artista
e conseguir enfim estabelecer a ordem no mundo?
O artista tem o peito aberto
Por onde escorrem-lhe as entranhas
É agora um zumbi, um verme, um corvo
Transformando o podre em nova vida
E produz mau cheiro
Chafurda a morte
Tem um vômito ácido
Mas toma um Sonrisal® e segue em frente
Já não tem fígado ou pulmão
E o coração está em pedaços
E ainda assim, de suas tripas espalhadas,
Constrói sua obra-prima"
(Paulo A.C.B.Jr)