13 de julho de 2013

Quando a ignorância vence a militância, a única saída é mudar o campo a semear




Classe média, mídia e golpe de estado


Um dos maiores esforços do militante político consciente há de ser a politização dos indivíduos, procurando construir junto à população formas de pensar que sejam críticas, para que se constituam em elementos dificultadores da manipulação ideológica enganadora cada vez mais comum no mundo da vida (hoje talvez mais que qualquer outra época, por conta da hegemonia de certas tecnologias de informação - os novos "totens" da contemporaneidade).

"O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo" é entoado mais como propaganda (ainda que muito útil, por sinal, para o despertar de uma ideia válida) do que como realidade prática. Pois os mesmos que se empolgam com referidas palavras de ordem no momento seguinte estarão acessando referida rede (e outras similiares) em busca das versões por elas oferecidas de interpretação da realidade (que os indivíduos, por conta própria, não costumam ter formação adequada para interpretar). Os mesmos que idolatram Joaquim Barbosa, por ser um novo ícone do moralismo, podem em seguida apoiar ideias de um Jair Bolssonaro (situado em posição política oposta a de Joaquim Barbosa) ou acreditar cegamente em análises feitas pela própria mídia tradicional (a quem referido Ministro já acusou de ser hegemonicamente direitista e até racista). O conluio entre ignorância, burrice ou má-fé (trindade a meu ver diretamente responsável pela corrupção humana) faz com que a propaganda crítica seja aclamada e, eficazmente, não seguida. É também o que faz com que a civilização, baseada no homem médio que empurra a vida intelectual com a barriga (entre trabalhos extenuantes e diversões alienantes), permaneça manipulada através dos espectros e rótulos abstratos, que servem como guias para a ação com base na manipulação do medo e da ignorância populares. Mas se nem às classes médias tradicionais (pretensamente letradas) estão imunes a isso, quem dirá o povo (aquele que não é bobo, mas que no final assiste e acredita sim na Rede Globo e suas similares). Ou talvez ainda outros que, pretendendo-se superiores em virtude e inteligência, constroem da referida "Rede" tão somente um novo espectro (portanto idealizado e dissociado da realidade concreta), acreditando por exemplo que outras emissoras (de TVs abertas ou fechadas, ou ainda revistas e jornais) seriam portanto mais dignas de crédito (mais ou menos como os que concluem que a crítica à "Coca-Cola" sirva então como atestado de bons antecedentes à Pepsi). A crítica eficaz, em qualquer dos casos, morre, conforme já adiantado, diante da tríade traiçoeira da ignorância, burrice ou má-fé. Por isso a tarefa de conscientização é cada vez mais árdua, cada vez aparentando ser mais impossível, quando o be-a-bá do pensamento crítico precisa ser ensinado a cada novo dia, por não ser nunca compreendido, resultando que por trás das cabeças concordantes e das vozes aclamadoras, referidas ideias são acolhidas tão somente como mais um novo espectro (idealizado, portanto, e nunca cumprido), por ser-se incapaz de estabelecer as relações concretas com a realidade ao nosso redor.

A idiotização do mundo seria então decorrente de uma política construída com base em uma outra tríade - a do trabalho, pão e circo, considerados mais que suficiente àqueles não-ambiciosos intelectualmente? Pois quando os que se creem virtuosos, críticos do homem médio, de suas possíveis maiorias populares e seu senso comum "irresponsável" e acrítico, não raras vezes sendo estes primeiros pretensos devotos da ciência, da filosofia e da crítica (consideradas estas como ideias abstratas), deixam de colocar em prática o que abstratamente embasa seus discursos (ainda que talvez não por má-fé, mas por incapacidade de associação entre discurso e interpretação da realidade), deixando-se manipular, chegando a atuar muitas vezes de forma combativa e militante contra tudo aquilo que em momento anterior o mesmo indivíduo é capaz de condenar (em discurso relacionado a algum "espectro" abstrato), parece que não há outra saída que não abandonar referido campo de batalha (o da classe média pseudo-politizada), seguindo adiante em busca de terras mais férteis a serem semeadas.

O exemplo do golpe de Estado é emblemático (eis que condenado ingenuamente por aqueles que em circunstância similares estariam entre os seus defensores - seja como no caso de um governo que a mídia pinta como formado por "homens maus" (ainda que não dessa forma, mas com o mesmo resultado), representando um risco à economia, ao patrimônio ou à moral dos homens de bem e de suas famílias - neste caso quando defendesse enfaticamente bandeiras como aborto, união homoafetiva, laicismo ou aliança com religiões pintadas como "inimigas", riscos de desapropriações, conflitos sociais, violência urbana, alegações de perseguição e censura à liberdade de imprensa, tudo hegemonicamente enfatizado em denúncias midiáticas como vinculações diversas ou favorecimentos a "criminosos" e outras medidas que servem para assustar os mais conservadores) é realmente só um exemplo de como se pode dar esse processo (seja aqui, na Venezuela, na Nicarágua ou no Oriente Médio - o próprio Obama foi pintado como "comunista" e militante islâmico pela propaganda dos Republicanos). Não há países sem divisão ideológica, e isso ocorre tanto nos países mais como nos menos desenvolvidos (nos menos desenvolvidos e talvez em todos que se deparam com problemas mais sérios, como os são os resultantes dos abismo sociais e outros sectarismos, as medidas necessárias para serem eficientes tendem a ser menos moderadas, causando maior choque e resultando em maior combate pelos seus opositores, e pela mídia e demais setores que os representam). Acerca do papel dos cidadãos comuns, outros tantos exemplos o dia-a-dia oferece, demonstrando a recorrente dissonância entre discurso, prática e compreensão (crítica) da realidade, gerando situações muitas vezes intransponíveis (por conta do hermetismo "lógico-irracional" envolvido na construção das interpretações ou nas teses defendidas), mesmo ao militante mais bem intencionado. Há por fim que se medir o cansaço (que pode realmente ser muitas vezes extenuante), possíveis oportunidades e possíveis progressos. Quando se sente que está perdendo a batalha, em nome de uma consciência social e política mais crítica (mais imune a certas manipulações), parece não haver muitas opções além de abandonar a luta, seguir a correnteza (juntando-se às plateias do pão e circo - ainda que a alguns se dêem o direito de substituir o pão por banquetes), ou continuar o trabalho em outros campos (já que são cada vez mais numerosas hoje em dia as frentes de batalha). A paciência, por fim, deixa de ser uma opção, mas sendo possivelmente uma imposição aos que não se conformam com cada minuto que se perde na concretização de uma sociedade melhor, mais justa, formada por indivíduos verdadeiramente emancipados.


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"Quem matou o artista? Há assim várias hipóteses. E também vários suspeitos. Foi o martelo do operário? Ou foi apenas um acidente de trabalho? Foi a caneta do burocrata? Ou se intoxicou com a tinta dos carimbos? Ou foi o giz da sala de aula? Foi uma bala perdida? Ou ela era direcionada? Ou talvez tenha morrido de fome, para aumentar os lucros dos investidores?


O artista morreu, mas se recusa a ser enterrado
Levanta-se do caixão e corre desatinado
Nu pelos campos
Causando espanto entre as velhas senhoras da sociedade
As pessoas se espantam e gritam
E os senhores engravatados se reúnem:
O artista só faz perturbar a ordem!
E isso não é bom para os negócios
Quem vai conseguir enterrar o artista
e conseguir enfim estabelecer a ordem no mundo?

O artista tem o peito aberto
Por onde escorrem-lhe as entranhas
É agora um zumbi, um verme, um corvo
Transformando o podre em nova vida
E produz mau cheiro
Chafurda a morte
Tem um vômito ácido
Mas toma um Sonrisal® e segue em frente

Já não tem fígado ou pulmão
E o coração está em pedaços
E ainda assim, de suas tripas espalhadas,
Constrói sua obra-prima"


(Paulo A.C.B.Jr)