5 de dezembro de 2013

Tudo em excesso faz mal?

As verdades da sabedoria popular (o mundo como ele é).

Tudo em excesso faz mal. Por isso:

Ao excesso de paz, devemos estimular algumas guerras de tempos em tempos;

Ao excesso de amor, devemos estimular um pouco de ódio;

Ao excesso de justiça, devemos estimular um pouco de injustiça;

Ao excesso de felicidade, devemos estimular momentos tristes;

Ao excesso de carinho, devemos estimular um pouco de agressão;

Ao excesso de tolerância racial, devemos estimular um pouco de racismo;

Ao excesso de tolerância étnica, devemos estimular um pouco de xenofobia;

Ao excesso de paz social, um pouco de crimes violentos;

Ao excesso de saúde, devemos estimular um pouco de doença;

Ao excesso de bem-estar, devemos estimular um pouco de mal-estar;

Ao excesso de compaixão, devemos estimular um pouco a dureza no coração e a implacabilidade;

Ao excesso de retidão de caráter, devemos estimular um pouco de falta de caráter;

Ao excesso de sabedoria, devemos estimular um pouco de estupidez e ignorância;

Ao excesso de boas obras, devemos estimular um pouco as obras destrutivas;

Ao excesso de razoabilidade, devemos estimular um pouco de atitudes não razoáveis;

Ao excesso de qualidade, um pouco de coisas mal feitas;

Ao excesso de acertos, devemos estimular o erro (especialmente em matéria de procedimentos médicos);

Ao excesso de qualidade de ensino, um pouco de displicência dos professores e estudantes;

Ao excesso de prudência, devemos estimular um pouco de irresponsabilidade (especialmente de motoristas e pilotos de avião);

Ao excesso de generosidade, devemos estimular a avareza;

Ao excesso de compreensão e fraternidade, devemos estimular a discórdia e as brigas;

Ao excesso de respeito ao próximo, devemos estimular um certo desrespeito e desprezo;

Ao excesso de ajuda aos necessitados, um pouco de apatia e indiferença;

Ao excesso de ética, devemos estimular um pouco de atitudes antiéticas.


Fazendo tudo isso, certamente teremos um mundo melhor (mas não excessivamente melhor, pois assim como está já está bom, não bom em excesso).

Ainda bem que temos o comprometimento ético de passar adiante esse tipo de informação aos que nos rodeiam.





P.S.: Acho que esqueci o excesso de dignidade, a ausência de dor/sofrimento, o respeito aos idosos, respeito aos enfermos e aos que passam por tragédias pessoais, etc...

Relativizar tudo dá muito trabalho, mas, se tudo é relativo, vou continuar tentando...

29 de agosto de 2013

Kant e a educação dos outros

Kant e a educação (dos outros...)

Uma das máximas mais conhecidas de Kant, e que configura seu imperativo categórico, é "age somente em concordância com aquela máxima através da qual tu possas ao mesmo tempo querer que ela venha a se tornar uma lei universal".

Simplificando em outras palavras, o único comprometimento ético prático e possível seria agir de forma que nossas ações fossem desejáveis enquanto modelo do que esperamos que outras pessoas façam.

A plateia concorda - discordando sem saber (ou sem querer saber). A falta de consciência, se não mais passível de alegação para ausência de culpa moral (desde Tomás de Aquino pelo menos), serve bem para o caso em que todos concordam com um discurso (normalmente relacionado a um certo valor social unânime), mas agindo de forma que ele nunca se torne prática.

Falando em educação (a que todos defendem, mas nada fazem a respeito), pode-se exemplificar com Kant um modelo em que alguém, interessado em melhorar a cultura política e diminuir a ignorância e alienação (entraves reconhecidamente aceitos em matéria política) discuta questões políticas e de cidadania com as pessoas ao seu redor, estimulando esse tipo de discussão por acreditar tratar-se isso de um bom modelo universal segundo a fórmula kantiana (talvez um dos únicos modos universalmente acessíveis e independentes de intervenções do Estado – aquele a quem sempre culpamos de tudo). Cumpriria assim seu compromisso ético.

Outros, contudo, acreditando que a educação é o problema principal a ser resolvido, realizariam discursos sobre sua importância, em relação ao qual outros (governos ou lideranças diversas) deveriam se esforçar mais para melhorá-la (por ser o único jeito de mudar o mundo, e que por isso todos devem estar comprometidos). Possivelmente acreditem que esse deve ser o modelo a ser seguido, segundo a fórmula kantiana. Contudo, se for esse o imperativo categórico defendido, quer dizer então que todos devem discursar sobre a importância da educação? Ou, se for este exemplo universal a ser seguido, significa que todos devem se limitar a discursar e nada fazer? Do ponto de vista lógico-racional, não parece um imperativo adequado à solução do problema. “Aos com mais possibilidades deve ser entregue a responsabilidade pela mudança” – pode servir como forma de apaziguar nossas consciências. Pois aqui, atribui-se a um espectro, ao “outro” espectral, o “próximo” (que é de fato “distante”), diferente de mim, a missão de realizar os planos que nós mesmos já fizemos muito em enunciar nas rodas de bar a importância. Os bons cidadãos (aqueles éticos - porque não roubam nem matam e condenam veementemente tudo isso em frente à TV) encontram o bode para expiar suas culpas.

Fechando o quadrado, aos que tentam sobram críticas (exatamente por conseguir-se, no máximo, um modelo carente de comprometimento dos que o cobram), sendo destinado ao fracasso por não contar com compromisso dos que se arrogam o título de cidadãos conscientes e comprometidos com um mundo melhor (muito embora o compromisso com a autoestima exija que nos reconheçamos como “cidadãos” - em um espectro que se adapta àquilo que convém a cada um sem muito esforço – porque ninguém é de ferro...). Finalmente, as críticas encontram seu ponto culminante ao substituir, em protesto, o tempo inicialmente disponibilizado para formação política (aquela prescrita pela fórmula kantiana e até aceita pelo Estado) com discussões sobre mídia e futebol (porque todo mundo precisa relaxar de vez em quando). Para estes, nem que o governante fosse o próprio Kant.

13 de julho de 2013

Quando a ignorância vence a militância, a única saída é mudar o campo a semear




Classe média, mídia e golpe de estado


Um dos maiores esforços do militante político consciente há de ser a politização dos indivíduos, procurando construir junto à população formas de pensar que sejam críticas, para que se constituam em elementos dificultadores da manipulação ideológica enganadora cada vez mais comum no mundo da vida (hoje talvez mais que qualquer outra época, por conta da hegemonia de certas tecnologias de informação - os novos "totens" da contemporaneidade).

"O povo não é bobo, abaixo a Rede Globo" é entoado mais como propaganda (ainda que muito útil, por sinal, para o despertar de uma ideia válida) do que como realidade prática. Pois os mesmos que se empolgam com referidas palavras de ordem no momento seguinte estarão acessando referida rede (e outras similiares) em busca das versões por elas oferecidas de interpretação da realidade (que os indivíduos, por conta própria, não costumam ter formação adequada para interpretar). Os mesmos que idolatram Joaquim Barbosa, por ser um novo ícone do moralismo, podem em seguida apoiar ideias de um Jair Bolssonaro (situado em posição política oposta a de Joaquim Barbosa) ou acreditar cegamente em análises feitas pela própria mídia tradicional (a quem referido Ministro já acusou de ser hegemonicamente direitista e até racista). O conluio entre ignorância, burrice ou má-fé (trindade a meu ver diretamente responsável pela corrupção humana) faz com que a propaganda crítica seja aclamada e, eficazmente, não seguida. É também o que faz com que a civilização, baseada no homem médio que empurra a vida intelectual com a barriga (entre trabalhos extenuantes e diversões alienantes), permaneça manipulada através dos espectros e rótulos abstratos, que servem como guias para a ação com base na manipulação do medo e da ignorância populares. Mas se nem às classes médias tradicionais (pretensamente letradas) estão imunes a isso, quem dirá o povo (aquele que não é bobo, mas que no final assiste e acredita sim na Rede Globo e suas similares). Ou talvez ainda outros que, pretendendo-se superiores em virtude e inteligência, constroem da referida "Rede" tão somente um novo espectro (portanto idealizado e dissociado da realidade concreta), acreditando por exemplo que outras emissoras (de TVs abertas ou fechadas, ou ainda revistas e jornais) seriam portanto mais dignas de crédito (mais ou menos como os que concluem que a crítica à "Coca-Cola" sirva então como atestado de bons antecedentes à Pepsi). A crítica eficaz, em qualquer dos casos, morre, conforme já adiantado, diante da tríade traiçoeira da ignorância, burrice ou má-fé. Por isso a tarefa de conscientização é cada vez mais árdua, cada vez aparentando ser mais impossível, quando o be-a-bá do pensamento crítico precisa ser ensinado a cada novo dia, por não ser nunca compreendido, resultando que por trás das cabeças concordantes e das vozes aclamadoras, referidas ideias são acolhidas tão somente como mais um novo espectro (idealizado, portanto, e nunca cumprido), por ser-se incapaz de estabelecer as relações concretas com a realidade ao nosso redor.

A idiotização do mundo seria então decorrente de uma política construída com base em uma outra tríade - a do trabalho, pão e circo, considerados mais que suficiente àqueles não-ambiciosos intelectualmente? Pois quando os que se creem virtuosos, críticos do homem médio, de suas possíveis maiorias populares e seu senso comum "irresponsável" e acrítico, não raras vezes sendo estes primeiros pretensos devotos da ciência, da filosofia e da crítica (consideradas estas como ideias abstratas), deixam de colocar em prática o que abstratamente embasa seus discursos (ainda que talvez não por má-fé, mas por incapacidade de associação entre discurso e interpretação da realidade), deixando-se manipular, chegando a atuar muitas vezes de forma combativa e militante contra tudo aquilo que em momento anterior o mesmo indivíduo é capaz de condenar (em discurso relacionado a algum "espectro" abstrato), parece que não há outra saída que não abandonar referido campo de batalha (o da classe média pseudo-politizada), seguindo adiante em busca de terras mais férteis a serem semeadas.

O exemplo do golpe de Estado é emblemático (eis que condenado ingenuamente por aqueles que em circunstância similares estariam entre os seus defensores - seja como no caso de um governo que a mídia pinta como formado por "homens maus" (ainda que não dessa forma, mas com o mesmo resultado), representando um risco à economia, ao patrimônio ou à moral dos homens de bem e de suas famílias - neste caso quando defendesse enfaticamente bandeiras como aborto, união homoafetiva, laicismo ou aliança com religiões pintadas como "inimigas", riscos de desapropriações, conflitos sociais, violência urbana, alegações de perseguição e censura à liberdade de imprensa, tudo hegemonicamente enfatizado em denúncias midiáticas como vinculações diversas ou favorecimentos a "criminosos" e outras medidas que servem para assustar os mais conservadores) é realmente só um exemplo de como se pode dar esse processo (seja aqui, na Venezuela, na Nicarágua ou no Oriente Médio - o próprio Obama foi pintado como "comunista" e militante islâmico pela propaganda dos Republicanos). Não há países sem divisão ideológica, e isso ocorre tanto nos países mais como nos menos desenvolvidos (nos menos desenvolvidos e talvez em todos que se deparam com problemas mais sérios, como os são os resultantes dos abismo sociais e outros sectarismos, as medidas necessárias para serem eficientes tendem a ser menos moderadas, causando maior choque e resultando em maior combate pelos seus opositores, e pela mídia e demais setores que os representam). Acerca do papel dos cidadãos comuns, outros tantos exemplos o dia-a-dia oferece, demonstrando a recorrente dissonância entre discurso, prática e compreensão (crítica) da realidade, gerando situações muitas vezes intransponíveis (por conta do hermetismo "lógico-irracional" envolvido na construção das interpretações ou nas teses defendidas), mesmo ao militante mais bem intencionado. Há por fim que se medir o cansaço (que pode realmente ser muitas vezes extenuante), possíveis oportunidades e possíveis progressos. Quando se sente que está perdendo a batalha, em nome de uma consciência social e política mais crítica (mais imune a certas manipulações), parece não haver muitas opções além de abandonar a luta, seguir a correnteza (juntando-se às plateias do pão e circo - ainda que a alguns se dêem o direito de substituir o pão por banquetes), ou continuar o trabalho em outros campos (já que são cada vez mais numerosas hoje em dia as frentes de batalha). A paciência, por fim, deixa de ser uma opção, mas sendo possivelmente uma imposição aos que não se conformam com cada minuto que se perde na concretização de uma sociedade melhor, mais justa, formada por indivíduos verdadeiramente emancipados.


23 de junho de 2013

A inevitável tomada de posição

Sou totalmente a favor das manifestações que vem ocorrendo a partir do Movimento Passe Livre. Algumas vezes fico mesmo emocionado ao ver a população nas ruas exigindo mudanças e cobrando dos governos (coisas que nós progressistas sempre sonhamos que acontecesse no Brasil). Mas isso já tem sido quase unânime, então pra tentar fugir um pouco do maniqueísmo acrítico, é sempre útil algum toque de reflexão. Segue:

Alguém teve a ideia de organizar uma pauta de reivindicações pra tornar mais eficientes os protestos. O primeiro item sugerido foi: - solidariedade a ações de movimentos sociais como o MST, a fim de aumentar a pressão ao governo pela reforma agrária; outros, contudo, gritaram: - Não! Exigimos é que o governo deixe de ser complacente com os ataques à propriedade cometidos pelo MST!; Em seguida, tentaram incluir uma proposta de ampliação do sistema de cotas, ao que era respondido: Pelo fim das cotas! Queremos respeito aos méritos individuais! Outros sugeriam combate ao neoliberalismo com sua proposta de Estado mínimo, enquanto outros respondiam: pela diminuição da máquina estatal e dos gastos públicos! Uns sugeriam a anulação das privatizações, enquanto outros postulavam sua ampliação. Em seguida, outra sugestão: ato de repúdio à mídia conservadora e golpista que criminaliza os movimentos sociais. Ao que responderam: impeachment à Dilma, PT nunca mais! Outra sugestão foi a legalização das drogas. Outros, contudo, diziam: Pelo contrário, exigimos o recrudescimento no combate às drogas! Uns pleiteavam: fim do sistema prisional medieval e racista! Outros vociferavam: redução da maioridade penal! Um sujeito que portava uma bandeira de partido de esquerda foi agredido por um militante de extrema-direita e gritou: Abaixo a censura! Liberdade de manifestação! Ao que o outro militante levantou uma bandeira nazista e ouviu do primeiro: Abaixo os nazistas!

Por fim, se entenderam quando sugeriram a bandeira do combate à corrupção. Mas no final, foi impossível mantê-los unidos. Uns se dirigiram para a frente do palácio do governo do PT, enquanto os outros para o do PSDB.

Aqueles, contudo, que consideravam que todos os partidos são iguais, se enganaram ao pensar que é possível fazer política por fora das questões ideológicas (talvez seja até possível política sem partidos, mas nunca sem ideologias). Esqueceram que a sociedade é naturalmente dividida em torno de questões essenciais, que exigem, portanto, uma "tomada de partido". Somos todos contra a corrupção, e por isso essa é uma bandeira que normalmente traz consigo algumas outras (menos unânimes) e que devemos estar atentos. Questões que exigem uma maior reflexão e que denunciam a [inevitável] ideologia do grupo que as utiliza (como chamariz). Questões que costumam ir um pouco além do "bom senso" a que as pessoas não politizadas estão habituadas a acreditar como ferramenta a que tudo resolva em política.
Assim, ao contrário da tendência de aversão à política que pode acompanhar o possível sentimento "antipartidos", tenho por inevitável a politização dos que querem transformar a política. Pois quem não se politiza (o que implica um pouco de pesquisa séria) corre o risco de ser manipulado e favorecer a um dos lados do conflito ideológico, sem saber ou sem querer.

18 de junho de 2013

Protestos e conflitos sociais no Brasil em junho de 2013



Sem saber direito o que tem acontecido no mundo por esses dias (tenho estado bastante ocupado com atividades de final de curso de pós-graduação), acabei parando pra dar um olhada nos acontecimento, e acabei me detendo em uma constatação curiosa. Ao que parece o movimento contestatório dos últimos dias se ampliou para além da questão da tarifa do transporte público. Recebi um post com foto no facebook que alertava: "É o empresário que leva este país pra frente. Menos tributos!". O prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), hoje, em encontro com o Movimento do Passe livre, informou que a redução das tarifas só seria possível com remanejamento de tributos (Haddad disse que 70% dos impostos municipais são destinados, conforme a Constituição, à saúde e à educação - segundo ele, se o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana fosse dobrado, as tarifas seriam reduzidas em 50%). Uma das manifestantes disse discordar em relação à questão do remanejamento dos impostos: "A gente tem que tirar lucro dos empresários". 

Semana passada, a polícia militar do Estado de São Paulo, do Governador Geraldo Alckmin (PSDB), desceu o cacete nos manifestantes contrários ao aumento da tarifa.

Na abertura da Copa das Confederações, a presidenta Dilma foi vaiada por uma população pagante de ingressos elitizados. Outro grupo, ainda, protestava contra os gastos da Copa, e obteve a seguinte resposta da Presidência: "se é um sentimento de que a Copa não é adequada, vamos informar qual o investimento que fizemos nos Estados em infraestrutura". A ministra-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência afirmou que "a presidente considera que as manifestações pacíficas são legítimas e são próprias da democracia e que é próprio dos jovens se manifestarem".
Segundo Haddad, em São Paulo, apenas 10% do transporte é subsidiado pelos empresários, enquanto 20%, pela prefeitura e 70% pela população. O ideal, segundo o prefeito, seria que a participação dos empresários aumentasse para um terço. O Prefeito disse ainda que nunca utilizou "a palavra vândalo, baderneiro, isso não faz parte do meu vocabulário político", em clara referência ao governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), que, ao falar sobre um protesto na semana passada, disse que era “intolerável a ação dos baderneiros”. 

Outro post, alertava que "visita do papa Francisco ao Brasil deverá custar quase R$ 120 milhões aos cofres dos governos federal, estadual e municipal." Notícia recente do Estadão informava que "Católicos se concentram em bairros nobres" de São Paulo. 

O Governador Geraldo Alckmin argumentou que o valor da tarifa deveria ficar em R$ 3,30, dez centavos a mais, caso houvesse o repasse do IPCA, e que o reajuste deveria ter sido feito em janeiro. "Não fizemos o reajuste a pedido do governo federal. Durante seis meses o governo de São Paulo bancou o subsídio", disse o governador, que participa em Campinas de um evento de anúncio das obras de prolongamento do anel viário da cidade.

Enfim: Empresários contra o governo, manifestantes contra o governo e contra os empresários, governo contra governo, polícia a favor do governo dos empresários contra manifestantes, torcedores pagando ingressos vultosos e torcendo por jogadores ricos em eventos milionários, e os católicos aguardando o Papa em suas residências de luxo no Jardim Paulista. Deixei passar alguma coisa?

29 de maio de 2013

Entendendo a violência no Brasil (do descobrimento aos anos 80, quando tudo piorou...)




No início, o Brasil era um lugar tranquilo. Época em que foram dizimados quase todos os índios e trazidos negros pra cá à força, onde eram escravizados, torturados e mortos. As revoltas também eram controladas com eficiência, pela aliança sempre atual entre o Estado e as elites (os morros, que à época se chamavam quilombos, eram invadidos e destruídos). Depois da abolição da escravidão, os habitantes dos quilombos e das senzalas se refugiam nas periferias. Novamente, os motins e rebeliões eram contidos com eficiência, com a polícia ou o exército exterminando todos os revoltosos, como em Canudos ou no Contestado. Assim, o clima era de paz. Da República até os anos 30, República do Café com Leite, em que os políticos decidiam o que era melhor para o povo, por meio de fraudes eleitorais explícitas (utilizadas pra garantir que o povo não errasse nunca na escolha). Depois de 1930, a Era Vargas. Enquanto o nazismo prosperava na Europa, Getúlio se manteve. Com a queda do nazismo, Getúlio cai, iniciando uma tênue democracia no Brasil, em que até o Partido Comunista consegue ser legalizado (ainda que só por um ano, sendo novamente cassado em 1947...). Anos depois, em 1964, a direita linha dura, para defender os cidadãos de bem, "salva" a lei e a ordem no Brasil, rasgando a Constituição e depondo o presidente. A esquerda, não concordando com a ilegitimidade do poder dos conservadores, se mobiliza contra o estado autoritário. Em 1968, então, a direita "lei e ordem" decreta o AI-5, institucionalizando o autoritarismo - pois o Direito estava atrapalhando o combate eficiente aos inimigos do Estado. Nos anos 70, o grande desfecho: a polícia e o exército ganham especial importância - acima, inclusive, da lei. Quando voltou o Estado de Direito (CF/88), a estrutura de poder e influência que funcionava à margem da lei, auxiliando as eficientes práticas de combate ao crime, procurou se manter, aliando agora funcionários públicos, polícia, empresários e contraventores das antigas redes de comando em novas organizações clandestinas e milionárias que atuam até hoje. Tudo culpa dos índios e negros que ora lotam nossos presídios. Apesar disso, o Brasil nunca foi tão violento. Acho que a solução é reduzir a idade penal.

9 de maio de 2013

Democracia, burrice, ignorância e maldade - os vícios do sistema democrático e o direito de ser idiota, parte II


Segundo Albert Camus, “só há um problema filosófico verdadeiramente sério: o suicídio". Aproveito-me de sua técnica pra apontar o problema que considero fundamental acerca da democracia: sua convivência inevitável com a ignorância, a burrice e a maldade.

Dito de outra forma, tenho que a ignorância do homem (em especial do chamado "homem médio") tende a colocar todo o processo democrático a perder. Ignorante aqui especialmente acerca de sua própria concepção de mundo (normalmente nada além de um embaralhado de opiniões casuísticas acerca de assuntos do dia-a-dia, e que não subsistem a uma análise mais aprofundada sobre as efetivas razões que as sustentam - exemplo do indivíduo que defende o direito ao aborto porque achou que a argumentação de um determinado entrevistado da TV "fazia sentido", ao mesmo tempo em que combate os direitos dos homossexuais porque achou que uma outra argumentação de outro entrevistado, em outra circunstância qualquer, também "fazia sentido" - nesse ponto, arrogo-me no direito de não ser científico para apostar que cerca de 90% de nossos cidadãos usam métodos do tipo pra formar suas chamadas "convicções"). Essa ignorância em relação aos valores que fundamentam determinados posicionamentos ou que fundamentam sua própria posição pode ocasionar opiniões diferentes em relação a assuntos por ele considerados como independentes, mas que de fato estão baseados em princípios que exigiriam (caso houvesse compromisso com certa coerência de posições) uma ligação necessária entre si. Assim, sem compromisso com uma agenda de ideias bem definidas ou coerentemente elaboradas com base em princípios norteadores (normalmente vinculadas a correntes de pensamento mais ou menos já estabelecidas no espectro ideológico), mas em nome da pretensa "autonomia" de defender ideias descoladas de um linha argumentativa coerente (comprometido apenas em relação ao que acredita "fazer sentido"), este indivíduo oscila nas votações entre os mais diversos candidatos dispostos nos mais diversos contextos, votando com base em critérios obscuros que em nada contribuem para o processo ou da discussão democrática (pois geralmente votam em espectros do que eles "acham" que aquele candidato ou partido representa, sendo normalmente manipuláveis pelas "impressões", mais então do que pela verdadeira convicção). Referido indivíduo, sem conhecer que se vincula a uma ideologia específica, ligado a um certo "autonomismo" comprometido apenas consigo mesmo (de forma ineficiente, grande parte das vezes) e com o que considera "fazer sentido" em um cenário específico (independente de um contexto principiológico maior), está de fato vinculado a uma ideologia espontaneísta - confiante demais no próprio senso comum - que ao invés de ser radicalmente combatida, acaba sendo disputada pelos políticos mediante as mais diversas técnicas. Da mesma forma mas em sentido diverso, temos os que acreditam professar determinada ideologia constante no espectro, ou um partido que a representaria, com base em uma ideia nebulosa ou mesmo equivocada acerca desta, sendo na prática um defensor de uma corrente que lhe é ideologicamente oposta (com a qual imagina não simpatizar também por conta de uma imagem equivocada a seu respeito). Assim, defende e ataca espectros do que equivocadamente acredita representar referidas ideologias, votando assim, sem saber, contra seus próprios valores tradicionalmente defendidos na prática, comprometendo mais uma vez o processo de escolha democrática (e este pode ser o mote que nos remete ao próximo ponto).

Assim, temos que outro grande aliado da ignorância manifestada no processo democrático seja a burrice. Neste caso, há a negação em si da lógica racional inerente ao processo democrático (que manda serem escolhidos aqueles que representam nossos reais interesses) e que embasa de forma eficiente qualquer decisão de forma responsável. Dessa forma, torna-se impossível mesmo a demonstração de equívocos do eleitor, uma vez que não há compromisso sequer com um raciocínio capaz de possibilitar a demonstração de um possível equívoco. Acredito que ocorra em menor grau que a ignorância, mas é uma variável que não se deve descartar (um exemplo possível seria o de um vendedor ambulante que vota em alguém comprometido exatamente com o combate ao comércio ambulante ou de um conservador que vota no PT e que depois fica indignado por eles aprovarem políticas de cotas, redução de penas e outras medidas liberais que constam em seu programa desde os anos 80). Mas talvez o maior prejuízo atribuível à incapacidade de raciocínio decorrente de referido vício seja a impossibilidade mesmo de entender os pressupostos que sustentam o regime democrático, arriscando-se assim sua própria sobrevivência (além do inevitável comprometimento dos processos de argumentação e contra-argumentação, fundamentais ao entendimento democrático). A principal aliança entre burrice e ignorância talvez seja a falta de qualquer vontade de superá-las (seja achando-se entendido o bastante pra corresponder à sua condição de cidadão ou achando que não tem qualquer obrigação de melhor se preparar a esse respeito - mas isso acaba guardando relação também com o próximo ponto).

Há, então, por fim, a maldade - mas essa, por carecer de critérios claros de definição, fica mais difícil de mensurar. Há, sem dúvida, os que defendem políticas de extermínio em geral ou discursos de ódio, racismo e superioridade os mais diversos, e que usam das liberdades democráticas para tentar fazer prevalecer esse tipo de prática. Nesse sentido, então, pode-se aproveitar o ensejo pra falar de uma outra prática talvez nociva que pode ser usado dessa forma (ainda que, por enquanto seja uma possibilidade meramente teórica) e tem a ver com outro direito reivindicado: o direito de ser idiota, já mencionado noutras oportunidades. Ora, o indivíduo, utilizando-se de uma possível prerrogativa de ser um "idiota", pode, unindo-se a outros tantos com o mesmo compromisso, votar simplesmente no pior candidato, com o único intuito de prejudicar o processo democrático. Usando exemplos mais práticos, tem-se na liberdade de ser idiota o direito de votar em quem quer que seja, sem compromisso com ideologias ou correntes de pensamento, simplesmente pelo motivo que quiser, sem ter que prestar contas a ninguém sobre isso. Nesse ponto de vista, o direito de ser idiota pode ser um dos grandes males no sistema democrático, porque indetectável e não sujeito a um combate eficiente. Afinal, não há lei possível de aprovação que impeça um idiota de votar.

Antes de encerrar, acredito que seja possível ainda incluir no campo da maldade ou má-fé todos aqueles detentores de grande poder político (derivado normalmente do poder econômico) que manipulam o processo político a seu favor. Esses, talvez, os maiores inimigos de fato da democracia, normalmente manifestados em torno da aliança poder econômico-mídia-poder político, alicerçados grandemente nas mazelas indicadas anteriormente.

Esses, a meu ver, os principais entraves, difíceis de contornar, para a efetiva eficiência do sistema democrático. Apesar de tudo, tenho a democracia como o melhor sistema de todos. Por isso a necessidade de que nos empenhemos em entendê-la (coisa que poucos na verdade o fazem), para que um dia consigamos colocá-la verdadeiramente em prática.

3 de maio de 2013

Rapidíssimas: o direito de ser idiota e outras notas sobre o senso comum




Por que é muito provável que grande parte do conhecimento obtido via senso comum esteja certo ou, ao menos, não ofereça riscos importantes a ponto de exigir uma classificação do tipo?

R: É notório que a imensa maioria dos conhecimentos que utilizamos nas atividades cotidianas e que nos habilitam a viver nosso dia-a-dia não são obtidos por meio de revistas científicas. Isso basicamente por dois motivos: ou são inofensivos demais para que um possível erro de avaliação precise ser enfaticamente combatido pela ciência, ou tratam de coisas que o mero costume alcançou uma fórmula sobre a qual a ciência ou o raciocínio lógico não têm qualquer interesse em analisar seriamente (ex.: hábito de usar pijamas, pentear o cabelo, abrir a panela, empinar a roda da bicicleta, usar terno, sapatos ou cinto para ir trabalhar, ouvir rádio no trajeto do trabalho, o modo de amarrar os cadarços, a maneira "correta" de tomar banho, etc.).

Agora, em relação a uma certa minoria de conhecimentos que realmente importam para a qualidade de vida do ser humano, da sociedade ou dos seres vivos em geral, precisamos tomar cuidado com o que leciona o senso comum (esse conhecimento obtido sem critérios, mas que "parecem" corretos). Aí a racionalidade precisa ser mais apurada que o costume, sendo o maior exemplo as questões que implicam em opinião de "certo" e "errado" em matéria de comportamentos sociais em geral (ainda que se considere que haja inevitavelmente correntes a respeito do assunto - sendo ideal mesmo que se conheça todas, e razoável que se conheça ao menos a maior parte delas, ou, de forma suficiente, as mais importantes, para que assim se possa estabelecer o devido elo argumentativo entre elas, bem como em relação ao objeto tratado, com base em métodos mais confiáveis, normalmente partindo de critérios lógico-racionais).

Em matéria de educação (esse "grande esforço coletivo na intenção de tornar o mundo melhor"), melhor guardar os "achismos" para si, eis que na maior parte das vezes (em relação aos temas importantes) só serviriam para deseducar a população ou legitimar definitivamente o erro. Obviamente que é difícil agir com a responsabilidade que essa racionalidade exige (a maioria talvez nem saiba como raciocinar corretamente, com base na lógica - apesar de que normalmente se pensa que sabe), mas em nome da evolução cultural da humanidade, é sugerido que se duvide mais de suas convicções antes de passá-las adiante (por mais que elas pareçam "fazer sentido").

Não obstante...

Duas são as questões sobre as quais considero importante refletir, e em relação as quais não consegui alcançar resposta satisfatória (e que guardam relação com a questão suscitada).

Primeiro: O papel que deve ocupar a opinião do ignorante (assim considerado aquele que não tem conhecimento suficiente sobre determinado tema que exige reflexões e conhecimentos mais apurados)

Segundo: O direito de ser "idiota" (lembre-se: cada vez que você, no papel de educador, ensina que "o certo" é algo em relação ao qual há no mínimo grandes controvérsias a respeito - as quais você deveria ao menos conhecer - você está sendo, no mínimo, um idiota...).


"Quem matou o artista? Há assim várias hipóteses. E também vários suspeitos. Foi o martelo do operário? Ou foi apenas um acidente de trabalho? Foi a caneta do burocrata? Ou se intoxicou com a tinta dos carimbos? Ou foi o giz da sala de aula? Foi uma bala perdida? Ou ela era direcionada? Ou talvez tenha morrido de fome, para aumentar os lucros dos investidores?


O artista morreu, mas se recusa a ser enterrado
Levanta-se do caixão e corre desatinado
Nu pelos campos
Causando espanto entre as velhas senhoras da sociedade
As pessoas se espantam e gritam
E os senhores engravatados se reúnem:
O artista só faz perturbar a ordem!
E isso não é bom para os negócios
Quem vai conseguir enterrar o artista
e conseguir enfim estabelecer a ordem no mundo?

O artista tem o peito aberto
Por onde escorrem-lhe as entranhas
É agora um zumbi, um verme, um corvo
Transformando o podre em nova vida
E produz mau cheiro
Chafurda a morte
Tem um vômito ácido
Mas toma um Sonrisal® e segue em frente

Já não tem fígado ou pulmão
E o coração está em pedaços
E ainda assim, de suas tripas espalhadas,
Constrói sua obra-prima"


(Paulo A.C.B.Jr)